Grande batalha da Previdência ainda nem começou e se dará no Congresso. Por isso, preocupa a falta de sintonia interna sobre o projeto no governo Bolsonaro
A principal batalha da reforma da Previdência ainda nem começou. A briga para valer será depois da posse do novo Congresso, em fevereiro, e da eleição da nova CCJ, que deve acontecer no final de março. Só aí os lobbies entrarão em campo. O que houve até agora é disputa interna, que tem emitido péssimos sinais. No governo passado, Temer, Padilha e Meirelles jogavam afinados a favor da reforma e tiveram que suar a camisa atrás dos votos que a fizesse avançar. No atual, há desencontros no trio: o presidente e os ministros da Economia e da Casa Civil.
A opção de começar do zero é a pior ideia que surgiu. Por isso no Ministério da Economia bate-se para que seja aproveitado o projeto que já caminhou contra todas as críticas do então deputado Onyx Lorenzoni. A tramitação, no caso de ter um novo projeto, seria longa demais e desperdiçaria o período de lua de mel com o Congresso, o mercado e o eleitorado. Neste caso, a discussão só teria início após a formação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), no final de março. Depois, seria constituída uma Comissão Especial para discutir a PEC. O primeiro semestre seria perdido refazendo-se os passos da reforma de Temer.
Esse é o argumento mais forte do ministro Paulo Guedes. Ele sempre diz que a reforma do Temer é “remendo em calça velha”, porém esse remendo será o veículo para a proposta de Bolsonaro avançar. Quem já esteve negociando no governo passado explica que há uma margem de manobra enorme para se mexer no texto. Mais de 200 emendas foram apresentadas ao projeto original, na Comissão Especial que analisou a PEC. Essas emendas servem de base para alterações no substitutivo do relator Arthur Maia (PPS-BA), incluindo a capitalização. O próximo passo então seria a votação em plenário.
Será preciso contornar o fato de que o chefe da Casa Civil e o presidente fizeram duras críticas à reforma de Temer. Bolsonaro chegou a dizer que ela era dura demais e que não se podia “matar idoso” para salvar o Brasil. Onyx se juntou ao PT, na época, para negar a existência do déficit. A oposição e os lobbies contrários às mudanças vão usar isso contra o governo.
Há vários grupos com muita força que são adversários da reforma. Os funcionários públicos de alto escalão, inclusive alguns servidores legislativos que assessoram os parlamentares e que conhecem como ninguém o funcionamento do Congresso. Junto deles, os funcionários do poder judiciário e as forças de segurança. A bancada de servidores aumentou nesta eleição.
Outro grupo é composto pelos ruralistas, influentes no atual governo. Eles não são exatamente contra a reforma mas não querem alteração que afete os privilégios do setor rural. E há também os militares, que continuam falando em alto e bom som que são diferentes. Na verdade, Bolsonaro em si é representante desse grupo. Ele fez sua carreira política defendendo interesses corporativos das Forças Armadas e dos policiais. No caso dos policiais é fundamental para os estados que eles se aposentem mais tarde. Hoje muitos deles se aposentam antes dos 50 anos.
O economista Fábio Giambiagi, especialista em Previdência, avalia que propor o regime de capitalização será um erro, porque vai causar muito ruído e gerar pouca economia para se combater a crise fiscal. Pelas suas contas, se for aprovado o projeto sugerido pelos economistas Armínio Fraga e Paulo Tafner, que tem uma transição de regimes lenta, apenas 1,5% das despesas do INSS seriam afetadas.
—Das duas uma: ou se faz uma capitalização mais rápida e aí o custo é alto demais, praticamente impagável. Ou se faz uma capitalização mais lenta, e aí o ganho é muito pequeno e não vale a pena —argumenta. Giambiagi também vê com preocupação a estratégia política de negociar com as bancadas e não com os partidos. A maioria dos cientistas políticos concorda que ignorar os partidos vai aumentar o custo da aprovação de medidas difíceis como a Previdência.
Paulo Guedes quer uma capitalização mais rápida. A proposta de só estar disponível para quem nasceu após 2014 é lenta demais, na opinião dele. O problema é que sobre esse assunto a Casa Civil tem projeto pronto. Em suma, o governo está ainda em plena guerra interna para saber que reforma afinal apresentará. A segunda grande guerra será no Congresso.