O ministro Dias Toffoli pregou paz e conciliação em seu discurso de presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Um pouco antes desferiu um golpe violento em direção à Lava-Jato: suspendeu uma ação penal contra o ex-ministro Guido Mantega, Mônica Moura e João Santana, mandou-a para a Justiça Eleitoral e ainda acusou o juiz Sérgio Moro de tentar “burlar” decisão do STF. Se casos de corrupção tiverem que ser julgados como crimes eleitorais é o sepultamento da Lava-Jato. Haverá paz. A dos cemitérios.
A dúvida é: que paz quer o presidente do Supremo Tribunal Federal? Se é a paz da morte da Lava-Jato contraria tudo o que o Brasil tem feito nos últimos quatro anos. No discurso em sua homenagem, o ministro Luis Roberto Barroso disse que a maior tarefa atual é a luta contra a corrupção. Contudo, um pouco antes da festa, Toffoli tinha tomado sua decisão que, se confirmada e estendida a tudo e todos, a mais importante operação contra a corrupção vai caminhar para o fim.
Ele citou decisão anterior do ministro Ricardo Lewandowski, apoiada pela maioria da Turma, considerando que caixa 2 é crime eleitoral e inclusive os “crimes comuns conexos”. Caixa 2 nunca é fato isolado. O empresário faz a contribuição por fora e pede algo em troca. Esse algo em troca é o crime de corrupção em geral associado à lavagem de dinheiro, ou seja, os “crimes comuns conexos”. Se tanto o caixa 2 quanto os crimes que dela decorrem vão para a Justiça Eleitoral, o que ficará na justiça comum? E que tipo de punição recairá sobre o criminoso? Cassação de mandato? Mantega, Monica Moura e João Santana jamais tiveram mandato. Parece haver mais riscos nesta decisão do ministro Dias Toffoli, tomada por ele um pouco antes de subir ao primeiro posto do Judiciário e pregar a paz e a conciliação.
O motivo da ação contra Mantega e os dois marqueteiros é a acusação de que em 2009 ele teria pedido R$ 50 milhões a Marcelo Odebrecht em contrapartida à edição de duas medidas provisórias que criaram o Refis da crise e que beneficiou principalmente a Braskem, empresa do grupo Odebrecht. O caso ainda está sendo julgado, mas a grande questão é onde julgar. Se é crime eleitoral ou se, como sustenta a acusação, é crime de corrupção.
O dinheiro não foi usado em 2010, ficou na conta “pós-Itália” e foi sacado para cobrir despesas da campanha de 2014. No período entre outubro de 2013 e dezembro de 2015, Monica Moura e Guido Mantega teriam tido 59 encontros e sete conversas telefônicas. O que tanto conversaram a marqueteira e o ministro da Fazenda? Essa informação foi conseguida através de delações, emails, quebras de sigilo telefônico e documentos do setor de operações estruturadas da Odebrecht. Como Monica cuidava das finanças do casal que fazia o marketing da campanha de Dilma Rousseff, se houvesse qualquer dúvida financeira deveria ser tratada com Edinho Silva, tesoureiro da campanha.
O caminho desenhado a partir dessas decisões da 2ª Turma é extremamente perigoso. A Justiça Eleitoral vive sobrecarregada pelos processos eleitorais e não teria tempo para processar e julgar casos de corrupção. O que há de eleitoral no crime imputado ao ex-ministro Mantega de ter supostamente recebido R$ 50 milhões para fazer uma lei que beneficiou uma empresa? Se for assim, o destino que se dá ao dinheiro fruto de corrupção lavaria o crime.
O argumento do ministro Dias Toffoli é que em abril a maioria da 2ª Turma havia decidido transferir para a Justiça Eleitoral os depoimentos de Monica Moura e João Santana sobre os pagamentos recebidos da Odebrecht para a campanha de 2014, já que foram entendidos como doações não contabilizadas. O problema é por que a doação foi feita, em troca do que foi feita. Aí é crime de corrupção, que precisa ser julgado na justiça comum.
A maioria da 2ª Turma produziu nos últimos anos uma jurisprudência que vem minando a Lava-Jato. Um dos caminhos é mandar para a Justiça Eleitoral uma parte do caso e, em seguida, recorrer à decisão anterior para mandar o resto, sob o argumento de que os outros crimes, corrupção e lavagem de dinheiro, são “crimes conexos”. Na prática, isso pacifica tudo, acaba-se a luta, perde-se a chance histórica, morre a Lava-Jato. Nossos juízes supremos decidirão, sob a presidência de Dias Toffoli.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)