Míriam Leitão: A recuperação em ‘V’ da indústria

A recuperação da indústria foi em “V”, mas não se pode dizer que é de vitória. Neste caso, é “V” de volta de uma queda. Em maio, a indústria despencou. E o 13,1% de crescimento de junho seria um número maravilhoso se tivesse ocorrido isoladamente.
Foto: Agência Brasil
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A recuperação da indústria foi em “V”, mas não se pode dizer que é de vitória. Neste caso, é “V” de volta de uma queda. Em maio, a indústria despencou. E o 13,1% de crescimento de junho seria um número maravilhoso se tivesse ocorrido isoladamente. De qualquer maneira, foi um alívio confirmar a expectativa de recuperar o prejuízo que a produção teve com a paralisação do transporte de carga. A alta de 13,1% em junho anulou a queda de 11% em maio e deixou um pequeno número positivo. O problema é que o impacto na confiança foi muito forte, e isso afetou a economia como um todo.

Todas as grandes categorias industriais pesquisadas pelo IBGE subiram em junho, com alta em 22 dos 26 ramos pesquisados. A recuperação foi espalhada, disseminada pelo setor. A produção de bens de consumo duráveis subiu 34%, mais do que compensando a queda de 26% de maio, puxada principalmente pela produção de veículos. Os bens de capital também tiveram forte recuperação, de 25%, mostrando que apesar da queda da confiança os investimentos conseguiram se manter de pé. Ainda assim, a indústria fechou o segundo trimestre com um tombo de 2,5% em relação ao primeiro, pelas contas do economista Lucas Souza, da Tendências Consultoria.

— A indústria teve uma recuperação em “V”, ou seja, com queda forte e alta também muito forte. Isso aconteceu pela própria natureza do setor, que pode, por exemplo, abrir um terceiro turno de produção para compensar o tempo parado. Mas, ainda assim, um mês foi perdido no segundo trimestre, e houve contração de 2,5%. Nossa projeção de 4% para a produção industrial este ano está com viés de baixa — disse Lucas Souza.

O comércio e os serviços devem ter mais dificuldade para repor as perdas da greve, explica o economista, porque não conseguem ampliar as vendas fora dos horários comerciais. Além disso, o mês de junho foi de Copa do Mundo, com muitas paralisações na hora dos jogos. Por isso, a Tendências estima uma retração de 0,3% nas vendas do varejo em junho, após um recuo de 0,6% em maio. Tudo somado, o PIB do segundo trimestre deve ter uma alta de apenas 0,2%, pelos cálculos da consultoria.

A projeção do banco Itaú é de queda de 1,5% na indústria em julho, e isso mostra que a recuperação continua oscilando. Há números positivos, como o de bens de consumo duráveis, que tem estado positivo consistentemente tanto na produção quanto na importação. No ano, bens de capital têm alta de 9,7%. Normalmente, esse dado tão positivo indica aumento de investimento. Mas nesse caso o que tem havido é troca de maquinário velho, após o pior da recessão, e não o início de novos empreendimentos e ampliações.

Na quarta-feira, o Banco Central manteve a taxa de juros em 6,5%, como esperado, mas afirmou que a recuperação estava mais lenta, por causa da greve. A paralisação deixou um sentimento generalizado de que a economia ficou mais vulnerável, exposta à incapacidade de um governo terminal e com dúvidas sobre o que virá a partir de janeiro. Além disso, a situação fiscal ficou agravada pelo subsídio dado ao diesel, que custará só este ano R$ 13,5 bilhões, como mostrou O GLOBO esta semana. Isso afeta principalmente os investimentos de longo prazo. No comunicado da decisão sobre os juros, o BC afirmou que irá monitorar os próximos dados de inflação e atividade, mas tudo indica que deve manter a Selic inalterada também na próxima reunião, em setembro, já muito próximo das eleições.

Além da greve, a incerteza eleitoral é o que mais pesa sobre a recuperação neste momento. O primeiro turno está muito próximo, e os programas econômicos são muito obscuros. Como a questão fiscal é assunto difícil de atrair eleitores, os candidatos se limitam a afirmar que resolverão a crise sem explicar os caminhos.

A indústria vive dilemas no mundo inteiro diante das mudanças tecnológicas. O Brasil ainda não superou o desafio velho que era o da integração nas cadeias produtivas globais. Por isso, ela enfrenta dois problemas: recuperar-se do longo encolhimento nesta recessão, que produziu 33 meses consecutivos de queda em relação ao mesmo mês do ano anterior, de março de 2014 a novembro de 2016, e se adaptar às novas ondas de modernização que estão transformando totalmente a indústria no mundo todo.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

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