Está em jogo muito mais que a venda de uma rede de gasodutos. Se o STF disser não, o ajuste do país será mais penoso
O grupo que comprou a TAG queria fazer a assinatura da venda em Paris, mas a direção da Petrobras não quis. Como o brasileiro anda cansado dos fatos estranhos sobre a estatal de petróleo e lembra bem de uma festa em Paris, optou-se pela assinatura discreta no escritório da empresa. Decisão acertada, tanto que logo depois, quando parte dos US$ 8,6 bilhões estava internalizada pela Engie e pelo fundo canadense CDPQ, o ministro Edson Fachin suspendeu o negócio por liminar. Ontem o assunto foi discutido no Supremo, mas ficou inconcluso.
A direção da Petrobras dizia que ontem era o “Big Day”, porque o que se decidir nesse julgamento definirá todo o programa para enfrentara situação da empresa: muito endividada e com diversos ativos que não fazem parte do seu negócio central. A decisão mais lógica, claro, é vender ações, participações, negócios e abatera dívida. Mas o grande dia foi adiado. O julgamento terminou empatado, dois a dois, e continuará hoje. Os ministros Ricardo Lewandowski e Edson Fachin acham que para vender, mesmo subsidiárias, é preciso autorização do Congresso e tem, necessariamente, que ser por licitação. Os ministros Alexandre Moraes e Luís Roberto Barroso discordam. Moraes considerou que essa exigência só existe quando é a venda da “empresa-mãe” e não das suas subsidiárias. Lewandowski disse que o risco seria fatiar tanto aponto de enfraquecer a “empresa-mãe ”, mas Moraes afirmou que se tal situação acontecesse seria uma patologia, que certamente seria impedida.
O ministro Barroso foi cristalino. A Constituição estabelece a obrigatoriedade de passar pelo Congresso quando sequer criar uma estatal, porque a intervenção do Estado no domínio econômico é a exceção. Portanto, não existe a mesma obrigação quando é ocaso de alienar estes ativos, ressalvados os casos em que a Constituição estabelece, quando é necessário para a segurança nacional ou tem um relevante interesse coletivo.
—A Constituição não protege esse Estado agigantado. Ela quis a livre iniciativa e não o capitalismo de Estado. Não há lastro jurídico para a tese de que se é preciso passar pelo Congresso para criar, tem que passar também para vender —disse Barroso.
Esse paralelismo tinha sido defendido no voto do ministro Lewandowski, autor da liminar dada no ano passado. Com base nisso, o ministro Fachin decidiu suspender a venda da TAG. Pior é que depois de toda a sessão de ontem, e a decisão adiada para hoje, o ministro Dias Toffoli disse que o debate era apenas teórico, abstrato sobre como o governo pode se desfazer de seus ativos, e só depois será o julgamento do caso específico da TAG.
O grande problema no Brasil é a insegurança jurídica. A venda do gasoduto foi suspensa com o argumento de que não houve licitação. Na opinião da direção da Petrobras houve sim. Foram seguidos exatamente os trâmites negociados com o Tribunal de Contas da União no ano passado, de dar o máximo de transparência possível. O TCU havia criticado o processo de venda por carta-convite no governo Temer. A Petrobras então mudou o processo em conversa com os técnicos do TCU e chegou-se a um formato de venda. Primeiro é divulgado o que eles chamam de “teaser”, com comunicado ao mercado nas bolsas de valores, daqui e do exterior. Apareceram 87 interessados. Passou-se para a próxima fase, da oferta preliminar, em que ficaram 20 grupos. Por fim, três fizeram propostas definitivas e foi escolhida a de maior valor.
—É errado achar que há uma única forma de se fazer um certame competitivo. Há um procedimento sofisticado, com muitas etapas, que foi seguido no processo de alienação da TAG. O importante é que o processo de competição assegure um resultado vantajoso para o governo — disse o ministro Barroso.
O debate continua hoje. O que está em jogo é muito mais do que um gasoduto. A Petrobras foi atingida pela corrupção, pela má gestão, pelo inchaço dos custos, pelos investimentos errados e definidos politicamente, pelo endividamento excessivo. É uma excelente empresa, mas que precisa se ajustar. Tem para vender outros ativos, uma parte da BR Distribuidora, a Gaspetro, a Liquigás, que já está com o “teaser” na rua. Isso sem falar nas refinarias. Além de ajustar a Petrobras, é preciso ajustar o próprio país. Se o STF disser não, o processo será muito mais longo e penoso.