Nos 70 anos da revolução comunista, a China não pode ser ignorada, deve ser entendida para se tirar o melhor proveito dessa relação inevitável
A China chega aos 70 anos da revolução comunista tendo derrubado as previsões negativas sobre o país, como a de que haveria uma queda brusca do crescimento ou uma explosão social. Os líderes conseguiram com que a desaceleração do PIB fosse gradual, dos 14% no melhor momento em 2007 para os atuais 6%. Ao mesmo tempo, derrubou também as previsões otimistas, como a teoria de que após o progresso econômico a classe média alta e a elite exigiriam liberdades democráticas. Ela se torna cada vez menos comunista e permanece sendo uma ditadura.
O último grande desafio democrático que enfrentou foi em 1989, quando a economia cresceu pouco. Naquele momento, com a queda do muro de Berlim, os regimes comunistas sendo demolidos, o país teve um péssimo ano econômico. Mas o ano ficará para sempre na história do mundo como aquele em que impiedosamente tanques passaram por cima de estudantes na Praça da Paz Celestial. Até hoje não se sabe quantos morreram.
Ontem, no 70º aniversário da revolução maoista, o presidente Xi Jiping vestiu-se de Mao, instalou-se no mesmo ponto da Praça em que Mao anunciou o começo da era comunista. De lá, o líder chinês comandou a exibição aos chineses e ao mundo do poderio militar que a segunda maior economia acumulou. Xi mudou as leis que previam períodos governamentais. Seu mandato é de tempo indeterminado.
Na ilha de Hong Kong, no entanto, o regime continua a ser diariamente desafiado pelos que querem liberdade. Mesmo após a derrubada do decreto que disparou as manifestações, elas continuam mostrando uma impressionante resiliência. O mundo acompanha tenso a evolução do conflito, com a polícia cada vez mais dura. Ontem, houve um manifestante baleado.
A elite chinesa estudou fora do país, em projeto que o próprio governo conduziu como parte da estratégia de deixar de ser um mero exportador de produto de mão de obra barata, para dominar a alta tecnologia. Apesar da convivência com outros países e outras culturas, as classes mais prósperas da China ainda não fizeram internamente pressão suficiente para que haja reformas democratizantes. Quem tentou ao longo do tempo se opor ao regime foi expelido do país, reprimido ou isolado de alguma forma. A China teve um aumento forte da desigualdade nas últimas décadas em função do projeto de acumulação de riquezas. Apesar disso, tem conseguido manter os pobres sob controle por causa do crescimento econômico. A dúvida sempre foi sobre o que acontecerá com todas essas tensões numa conjuntura econômica adversa.
As relações com o Brasil são um retrato do crescimento da China nas últimas décadas. Pegando-se apenas o que aconteceu entre 1998 e 2008, as exportações brasileiras aumentaram 44 vezes, saindo de US$ 1,5 bilhão para US$ 66 bilhões. As importações saltaram 23 vezes, de US$ 1,5 bilhão para US$ 35 bilhões. No ano passado, a China sozinha absorveu mais do que tudo o que o Brasil vendeu para a União Europeia e o Mercosul somados. Mas é um comércio excessivamente concentrado em três produtos: soja, petróleo e minério de ferro. Numa segunda dimensão estão produtos como carnes bovina, de frango e suína e celulose.
A China, como parte da estratégia de deter poderio global, tem investido em infraestrutura em inúmeros países em desenvolvimento, entre eles o Brasil. Já são fortes na área de energia. Vão disputar no leilão da cessão onerosa. Têm diversos outros interesses de investimento.
Durante a campanha, o presidente Jair Bolsonaro sustentou um discurso antichinês que, depois da posse, abandonou. Por isso, prepara agora uma ida à China depois de vários dos integrantes do seu governo já terem ido. A China não pode ser ignorada. Deve ser entendida para saber qual é o melhor proveito a se tirar dessa relação inevitável.
Os Estados Unidos de Donald Trump tentam impor limites à China através do conflito comercial, mas hoje o país asiático tem uma produção tão integrada ao mundo que uma barreira ao produto chinês acaba ferindo a própria economia americana. A estratégia trumpista de pressão máxima não funciona muito com os chineses e está ferindo a própria economia americana. Por outro lado, não é crível que a China continue indefinidamente mantendo o poder político concentrado no Partido Comunista e o poder econômico privatizado pelas reformas capitalistas.