A América Latina não se cansa de perder sonhos e repetir os mesmos enredos trágicos. Alan García, quando assumiu em 1985, com apenas 35 anos, era parte de um movimento de renovação do continente que passara por ditaduras. O populismo econômico fez com que ele terminasse seu primeiro mandato com o país em hiperinflação. A América Latina daqueles anos 1980 viu a inflação destruir os sonhos de inclusão social como agora vê a corrupção sepultando projetos políticos. O suicídio de Alan García é emblemático de uma época.
Na Argentina, o presidente Mauricio Macri, que chegou à Casa Rosada defendendo o projeto liberal para se contrapor ao intervencionismo dos Kirchner, decidiu repetir ontem um velho erro já cometido na região: o congelamento de preços para lidar com a inflação resistente que herdou e não conseguiu domar. O populismo ocorre em qualquer lado do espectro político, e é um dos erros recorrentes da região.
— De uma certa forma, é um ciclo que se fecha. O García começou com medidas populistas e foi em direção à políticas mais ortodoxas. Já o Macri era um liberal que agora adota uma medida heterodoxa para tentar ganhar fôlego e chegar até as eleições de outubro — afirmou a economista Monica de Bolle, diretora do Programa de Estudos Latino-Americanos da Johns Hopkins University.
Macri mostra que, seja de direita ou de esquerda, há um momento em que o governante latino-americano acha que é possível resolver tudo com uma canetada, um congelamento, ou um telefonema para o presidente da estatal. Macri ontem congelou preços e disse que tudo foi feito depois de negociação com grandes empresas e avisou que é por seis meses. Tenta corrigir com uma medida artificial o que não conseguiu fazer com sua cartilha liberal que ele, aliás, usou muito mal.
Aqui no Brasil houve um sinal de que o intervencionismo está vivo e jamais saiu do coração do presidente. Na última sexta-feira, Jair Bolsonaro interferiu na formação de preços da Petrobras. Esta semana, o ministro Paulo Guedes tentou minimizar os efeitos da atitude do presidente. Guedes disse que Bolsonaro apenas ligou para Roberto Castello Branco, para entender o preço, não para interferir. Ontem, a Petrobras anunciou quase o mesmo reajuste, disse que a decisão será exclusivamente dela, mas a fórmula do cálculo continua sem transparência e não haverá periodicidade definida. No mercado, há desconfiança porque a atitude de Bolsonaro lembrou aos investidores as convicções que ele sempre defendeu ao longo de sua vida política.
O suicídio de Alan García mostra o fim melancólico de uma era, dos anos 1980, onde havia muita esperança de superação dos atrasos da região através de uma política de esquerda. Ele cumpriu parte do enredo de sonhos sepultados da América Latina. Esteve duas vezes no governo. Na segunda, em 2006, deu passos à direita, fez um discurso liberal para se diferenciar do seu oponente Ollanta Humala, mas sua carreira acabou da pior forma. Deu um tiro na cabeça quando bateram à porta e era a polícia para levá-lo preso. A acusação era de corrupção, e o corruptor, a empresa brasileira Odebrecht.
Alan García era um dos quatro ex-presidentes do Peru investigados por suspeitas de receber favores da Odebrecht. Alejandro Toledo, Ollanta Humala e Pedro Pablo Kuczynski também o são. E o ex-presidente Alberto Fujimori, que governou por 10 anos com discurso liberal e poderes ditatoriais, foi condenado a 25 anos de prisão por corrupção e crimes contra a humanidade, em 2000. Recebeu indulto que foi posteriormente revogado. Apesar de ser um país com cinco ex-presidentes condenados ou investigados por corrupção, o Peru tem feito avanços importantes na investigação dos desdobramentos da Lava-Jato.
Há vários males na América Latina. O mais persistente deles é acreditar em salvadores da Pátria e poções mágicas contra os problemas que precisam ser superados com persistência e boas políticas. Não há mágica contra a pobreza ou a corrupção, contra a inflação ou a recessão. Os que chegam dizendo que mudarão tudo isso que está aí — seja à esquerda, seja à direita — acabam ficando muito parecidos uns com os outros e repetindo os mesmos erros.
Uma das lições a se tirar das tragédias da América Latina é que não há substituto para um governo eficiente, que procure resultados e não se apresente como aquele que vai salvar o país. O combate à corrupção ou à pobreza não pode ser instrumento para que se repita os velhos erros do populismo.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)