Representantes do MP buscam deputados e marcam protestos pelo país para alertar contra enfraquecimento de investigações
Bernardo Mello, João Sorima Neto e Mariana Muniz / O Globo
RIO, SÃO PAULO e BRASÍLIA — Em protesto contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 05/2021, vista como forma de enfraquecer a autonomia do Ministério Público, promotores e procuradores de 18 estados realizam a partir desta quarta-feira uma série de atos de repúdio em todo o país. Associações e procuradores-gerais ouvidos pelo GLOBO avaliam como pontos mais graves da proposta a elaboração, por parte do Congresso, de um código de ética para o MP; alterações na composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para aumentar a influência do Legislativo, através inclusive da indicação de um corregedor nacional; e a possibilidade de o órgão passar a anular atos de investigação.
A PEC chegou a entrar na pauta de votações na Câmara dos Deputados na semana passada, mas foi retirada por falta de apoio. Representantes do Ministério Público têm buscado chamar atenção para os riscos à independência de investigações, e esperam reverter alguns dos trechos da proposta ainda na Câmara ou, em caso de aprovação pelos deputados, no Senado. Também há chance de judicialização no Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter o eventual desequilíbrio no CNMP pela maior interferência do Congresso.
Uma das bases para eventual judicialização é o argumento da paridade entre o CNMP e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ambos criados em 2004 pela mesma legislação. Em 2005, ao reconhecer a constitucionalidade do CNJ, o plenário do STF estabeleceu que se trata de um órgão de controle interno com autonomia institucional e que, portanto, deve ter maioria qualificada de membros da magistratura e sem o poder de interferir em decisões judiciais.
Atualmente, o CNMP tem 14 integrantes, sendo oito indicados pelos diferentes braços do Ministério Público, incluindo o procurador-geral da República (PGR), e outras seis vagas distribuídas pelo Judiciário, Congresso e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Na versão final do relator da PEC, deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), uma reorganização das vagas deixaria o MP com sete cadeiras no conselho, contra oito escolhidos por outros órgãos — sendo quatro por atribuição do Legislativo.
— Não faz sentido acrescentar duas vagas sob escolha do Congresso no CNMP, sendo uma delas a partir de lista elaborada pelo STF, e retirar uma vaga do MP da União. Se o intuito é aumentar a composição de 14 para 15 cadeiras, seguindo a paridade com o CNJ, então defendemos que esta cadeira seja destinada aos MP estaduais, respeitando assim a maioria qualificada, com nove vagas, para membros da carreira — afirma o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Ubiratan Cazetta.PUBLICIDADE
Outro ponto passível de judicialização é a criação de um novo código de ética para o CNMP através de lei complementar aprovada pelo Congresso, estipulando advertência como sanção mínima. O código atual permite sanções mais brandas.
Representantes de associações argumentam que os códigos de ética do CNJ e da própria Câmara são formulados internamente e que, neste caso, haveria possibilidade de contestar no STF tanto o texto da PEC quanto a futura lei complementar.
Apelo a Aras
Segundo Cazetta, há a expectativa de reverter ainda na Câmara ou no Senado a previsão de que o corregedor do CNMP seja um dos membros indicados pelo Congresso, o que fere a autonomia do órgão.
Além disso, outro ponto que pode ser derrubado é o que permite aos procuradores-gerais indicarem dois terços dos membros dos respectivos conselhos superiores, responsáveis pela fiscalização de suas atividades. A ideia é criticada por abrir brecha a uma eventual concentração de poder nos chefes dos MPs. No modelo atual, os conselheiros são eleitos de forma igualitária entre procuradores e promotores.
— A PEC como um todo é horrível para nós. Mas em uma ordem de gravidade, eu diria que entre os pontos mais problemáticos estão a figura do corregedor escolhido pela Câmara, pois seria um corregedor com vínculo político, a reversão de decisões de membros do Ministério Público, e em terceiro a questão do Código de Ética — afirmou Manoel Murrieta, presidente da Associação Nacional de Membros do Ministério Público (Conamp).
A Conamp está à frente da coordenação dos atos previstos para 18 estados entre esta quarta e sexta-feira. Estão programadas manifestações em cidades como Rio, São Paulo, Recife, Manaus e Curitiba. Murrieta disse esperar que o atual PGR, Augusto Aras, “também nos apoie nessa causa”.
Aras, que tem enfrentado sucessivos atritos dentro do Conselho Superior do MPF, divulgou nota na semana passada afirmando que atuou para adiar a votação da PEC, para que as discussões sobre diferentes pontos “possam ser aprofundadas”. A nota afirma ainda que Aras tem mantido “interação permanente” com procuradores e promotores “com o propósito de fortalecer o debate em defesa da autonomia do CNMP”. Na avaliação do presidente da Conamp, as declarações apontam que Aras recebeu com “espanto” o avanço da PEC.
O procurador-geral de Justiça do Rio, Luciano Mattos, disse em entrevista ao GLOBO esperar que a PEC seja rejeitada pelo Congresso e afirmou que o texto traz “riscos”, como ao prever que o CNMP possa rever atos de investigação. Mattos participará do ato de repúdio na capital fluminense, na manhã desta quarta, na sede da Associação de Promotores do MP do Rio (Amperj).
— O CNMP tem por finalidade justamente não interferir na atividade-fim (do MP). Permitir essa invasão representa um grande retrocesso, atingindo a autonomia do Ministério Público — afirmou.
Em manifestação pelo canal Palavra do PGJ, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mario Sarrubbo, disse ter argumentado a parlamentares paulistas que a proposta na Câmara coloca em xeque a independência funcional do MP. A Procuradoria-Geral de Justiça e a Associação Paulista do Ministério Público promovem ato de repúdio na tarde desta quarta-feira.
— O Ministério Público enfraquecido significa menos condições de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os direitos sociais — disse Sarrubbo.