Tem sido crescente o papel internacional dos entes da Federação no campo internacional. A iniciativa é oriunda do governo Pedro Simon no Rio Grande do Sul, em 1987 (http://contextointernacional.iri.puc-rio.br/media/salomon_vol29n1), seguido pelo do Rio de Janeiro, no mesmo ano.
A inserção no campo externo também coube a municípios, a principiar pelo de Porto Alegre. Sob a denominação de paradiplomacia, os entes subnacionais, em face da globalização, passaram a promover parcerias no exterior, criando secretarias de relacionamento internacional. A atividade passou a ser acompanhada a partir de meados dos anos 1990 pelo Itamaraty, por meio da Subchefia de Assuntos Federativos.
Como assinalam Marcovitch e Dallari (em Relações Internacionais de Âmbito Subnacional: a Experiência de Estados e Municípios no Brasil, IRI-USP), todos as Unidades da Federação têm órgãos encarregados de promover atividades internacionais, até com escritórios no exterior.
Celso Lafer, ex-ministro das Relações Exteriores, destaca que a cooperação internacional entre entes subnacionais e outros países pode-se dar, como ação subsidiária, na captação de recursos; na promoção comercial e de turismo; no favorecimento de investimento e parcerias público-privadas e de cunho cultural (Diplomacia subnacional no Brasil – desafios do seu enquadramento jurídico), constituindo-se, assim, uma “diplomacia federativa”.
Mas o que acontece agora é fenômeno diverso. Não se trata de atuação isolada de ente da Federação agindo em seu nome em favor de interesse próprio, mas, sim, de ação conjunta dos Estados da Federação, que atuam solidariamente em favor do País, em nome do Brasil, vista a ausência do poder central em temas de absoluta prioridade na pauta interna e externa: combate à pandemia e proteção ao meio ambiente.
Decreta-se a destituição do governo central no plano internacional, dada sua omissão grave e a falta de legitimidade pelas atitudes negacionistas. Governadores de 23 Estados, representantes de 90% da população brasileira, tomam a iniciativa de clamar por ajuda no campo sanitário em prol do País, além de assumirem responsabilidades, com compromissos definidos, no âmbito da promoção concreta da recuperação e preservação do meio ambiente.
Bolsonaro perdeu respeitabilidade em razão da contínua omissão ante as desgraças evidentes que nos assolam. Não mais representa a Nação na órbita mundial, papel assumido pelos governadores. Estes, na esfera interna, são, ainda por cima, ameaçados com uso do Exército por tomarem benéficas medidas sanitárias.
No mês de abril houve duas relevantes manifestações de governadores a entidades internacionais e a governo estrangeiro. Em carta à ONU e à OMS, os governadores, na qualidade de líderes subnacionais de Estado-membro fundador da ONU, e ciosos do princípio da solidariedade, pedem ao mundo que se sensibilize com o atual estágio da crise sanitária que acomete o País.
Para tanto fazem cinco pedidos:
1) ajuda humanitária para obter mais imunizantes;
2) negociação entre Brasil e China para antecipar entrega de insumos farmacêuticos;
3) entrega das doses previstas pelo consórcio Covax Facility;
4) auxílio para obter insumos para a Fiocruz, no âmbito do contrato com a Astrazeneca; e
5) mediação junto aos EUA para obter vacinas que não serão aplicadas imediatamente.
Com o dramatismo que a mortandade exige, solicitam, para “assegurar a capacidade de atendimento dos hospitais da rede de saúde nacional, o auxílio para a obtenção de insumos hospitalares, a exemplo de oxigênio (…)”.
No âmbito da proteção ambiental, na semana da reunião sobre o clima promovida pelo presidente Joe Biden, os governadores enviaram-lhe missiva propondo cooperação entre os Estados Unidos e os governos estaduais brasileiros. “A cooperação visa à redução dos gases de efeito estufa, à promoção de energias renováveis, ao combate ao desmatamento e à conservação das florestas“.
Dizem que seus Estados podem contribuir com a captura de emissões globais e possuem fundos e mecanismos para responder à emergência climática, garantindo resultados para a proteção de biomas nativos e a restauração de áreas degradadas.
Por fim, demonstrando junção em torno de objetivo maior, acentuam que “a Coalizão Governadores Pelo Clima, ampla e diversa, envolvendo progressistas, moderados e conservadores, de situação e de oposição, sinaliza o desejo do Brasil por união e construção colaborativa de soluções em defesa da humanidade”.
Os governadores passaram a falar pelo País, diante da imagem negativa do Brasil, a se ver pelo manifesto de 200 cientistas de todos os países: “Nos preocupamos com o agravamento da crise sanitária no Brasil, com os ataques à ciência e nós, acadêmico(a)s de todo o mundo, demonstramos nossa solidariedade com os/as colegas no Brasil”.
Nem Bolsonaro, nem o superministro Guedes, com suas “frases infelizes”, são levados a sério. Com a palavra os governadores: falem em uma só voz pelo Brasil, para que sejamos ouvidos.
*Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça
Fonte:
O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,quem-fala-pelo-brasil,70003699925