Merval Pereira: Voto, modos de usar

Com uma eleição polarizada como nunca se aproximando, este é um bom momento para se discutir as maneiras de votar, ainda mais que o voto útil transformou-se em instrumento de cidadania para evitar “o mal maior”.
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Foto: José Cruz/Agência Brasil

Com uma eleição polarizada como nunca se aproximando, este é um bom momento para se discutir as maneiras de votar, ainda mais que o voto útil transformou-se em instrumento de cidadania para evitar “o mal maior”.

Há em discussão nos Estados Unidos maneiras de melhorar a eficácia do voto representativo, e algumas delas já estão sendo utilizadas.
Paradoxalmente, também na China discute-se o que seria a democracia guiada pela meritocracia.

Essas buscas concentram-se no questionamento de um dos pilares da democracia representativa, a ideia de “uma pessoa, um voto”. Em livro da Princeton University Press denominado “Mercados radicais: desenraizando o capitalismo e a democracia para uma sociedade justa”, o economista da Microsoft e da Universidade de Yale Glen Weyl e o jurista da Universidade de Chicago Eric Posner tratam da desigualdade, que seria um calcanhar de Aquiles do capitalismo, influenciando o funcionamento da própria democracia.

Os autores consideram que o sistema de “uma pessoa, um voto” leva a decisões deficientes e à tirania da maioria. A China, por sua vez, tem apresentado em diversos fóruns internacionais, através de acadêmicos chineses e estrangeiros, uma visão crítica da democracia ocidental e ideias bastante criticáveis sobre o que seria a democracia ao estilo chinês.

Daniel A. Bell, um canadense professor de Teoria Política da Universidade Tsinghua, defende em fóruns internacionais – já comentei na coluna sua apresentação em uma reunião em Davos – que a China caminhará para a meritocracia, não para democracia, pois a ideia de “um homem um voto” não leva a escolhas mais corretas e está muito sujeita a pressões financeiras.

Bell considera que a China, ao buscar essa força moral de sua liderança, pode caminhar para a implantação de um sistema político que não será a democracia como nós a conhecemos no Ocidente, mas uma meritocracia que fará com que os escolhidos para o Parlamento possam representar realmente a vontade do povo e não apenas os que têm influência para atrair votos.

Até mesmo as promessas de campanha, que nunca são cumpridas, ou gestos claramente populistas como anunciar aumento de impostos dos mais ricos para compensar os sofrimentos dos mais pobres na crise econômica, como se viu na França ou nos Estados Unidos, e também no Brasil, seriam formas de luta política que desvirtuam o voto final.

Um Parlamento composto por pessoas escolhidas pelo mérito representaria melhor o conjunto da população do que um formado pelos que se elegeram pela força do dinheiro, ou por um dom natural de oratória, ou por ser famoso em seu ofício.

Há quem, na China, defenda que essa meritocracia já vem sendo adotada pelo sistema de “seleção natural” de dirigentes dentro do Partido Comunista. O afunilamento na escolha levaria os melhores a galgarem degraus na hierarquia.

Semelhante ao que sugeriu o vice de Bolsonaro, General Mourão, de organizar uma comissão de notáveis para fazer uma Constituição, que depois seria referendada pelo povo. A questão, tanto lá como aqui, é saber quem escolheria esses homens providenciais, e através de que critérios.

Nos Estados Unidos, dois tipos de votação estão em discussão, uma delas já em pratica, para dar mais peso ao desejo de cada eleitor, o sistema de ranqueamento do voto (Ranking Choice Voting), em que o eleitor dá uma classificação para cada uma de suas escolhas, e o balanço final determina quais os escolhidos para o Congresso, para prefeito como ocorreu recentemente no Maine, ou, quem sabe, para a presidência da República.

Substitui com vantagens o voto útil como o conhecemos, pois permite que o eleitor vote em vários candidatos dando um peso especifico a cada um deles, e o melhor ranqueado leva, em vez o vencedor leva tudo, como fazemos no voto majoritário.

Um bom exemplo é a eleição para senador este ano. São duas vagas e cada eleitor tem que votar duas vezes. Uma maneira ilógica, e que confunde o eleitor, de escolher os dois mais votados. Com o ranqueamento, os mais votados são escolhidos naturalmente, num sistema de eliminação gradual.

Os autores do livro referido no inicio da coluna, Posner e Weil, propõem o que chamam de “votação quadrática”, uma ideia boa num nome ruim, que precisará ser alterado. Eles bolaram um sistema que é calculado na base da raiz quadrada, claramente difícil de explicar em qualquer democracia do mundo. Mas a tese é boa, o sistema avalia a intensidade da preferência de cada eleitor, e os desejados mais fortemente pela maioria saem vitoriosos, sejam políticos ou propostas.(Amanhã, as novas maneiras de votar)

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