Merval Pereira: Uma assombração

O presidente Bolsonaro, em seu modo radicalizado de fazer política, sobretudo acuado como está agora pela CPI da Covid, volta a usar o Exército como mero instrumento de sua ação e, por meio de metáforas rotas pelo mau uso, diz que “está chegando a hora de o Brasil dar um novo grito de independência”.
Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR


O presidente Bolsonaro, em seu modo radicalizado de fazer política, sobretudo acuado como está agora pela CPI da Covid, volta a usar o Exército como mero instrumento de sua ação e, por meio de metáforas rotas pelo mau uso, diz que “está chegando a hora de o Brasil dar um novo grito de independência”.

Poderia estar se referindo às eleições presidenciais e, com isso, já nos daria indicações de como se sentirá respaldado para sua ação devastadora da cidadania se for reeleito. Mas estava mesmo reafirmando que “o seu Exército”, como a cavalaria dos velhos filmes de caubóis, chegará para salvar o povo brasileiro de “pseudos” governadores que querem “impor a ditadura no meio de vocês, usando do vírus para subjugá-los”.

Num português trôpego e com sua visão peculiar do que seja uma democracia, Bolsonaro definiu: “É inconcebível os direitos que alguns prefeitos e governadores tiveram por parte do STF. É inconcebível. Nem estado de sítio tem isso”.

No seu raciocínio torto, que só faz enredá-lo mais ainda, como se afundasse na areia movediça a cada vez que tenta se safar da culpa, declarou na Bahia: “Não foi o governo federal que obrigou vocês a ficarem em casa. Não foi o governo federal que fechou o comércio. Não foi o governo federal que destruiu milhões de empregos. Pode ter certeza: este suplício está chegando ao fim. Brevemente, voltaremos à normalidade, com o apoio de todos”.

Não estava falando da campanha de vacinação, que continua precária por falta de doses. Voltar à normalidade, nesse ritmo, demorará muito, e também a recuperação dos milhões de empregos que foram destruídos pela incapacidade de gestão do governo federal. Bolsonaro mais uma vez soltava uma bazófia para estimular seus militantes. São confissões, melhor dizendo, e suas palavras, acusações prontas para a CPI da Covid. Assim como as perguntas enviadas pela Casa Civil para os ministérios arrolam uma série de fatos que são justamente os motivos de a CPI ter sido criada.

O governo está formando um grupo de trabalho que busca respostas técnicas aos questionamentos da CPI da Covid, com o objetivo de neutralizá-la, mas a cada dia nutre a comissão, que ainda nem se formou, com informações novas e desorganização. A pressão política sobre os integrantes da comissão, especialmente o relator, senador Renan Calheiros, é previsível, como indica a aproximação do presidente Bolsonaro do governador de Alagoas, Renan Filho, e do ex-presidente José Sarney, hoje ainda uma força política dentro do PMDB.

O governo terá trabalho, mas pode até conseguir neutralizar a CPI, pois sua capacidade de resolver problemas de aliados, ou dar compensações a eles, é grande. O senador Renan Calheiros não é uma figura incontroversa. Tem muitos inimigos, mas é um político habilidoso, que desaparece quando sabe que a derrota não pode ser revertida. Perdeu a eleição para a presidência do Senado para Davi Alcolumbre e volta agora, dois anos depois, com muita sede ao pote, enquanto o ex-presidente do Senado não tem peso político como Renan continua tendo. Por culpa de Alcolumbre, não de Renan.

Vamos ver como reagirá às pressões sobre o governo de seu filho ou sobre os processos que estão correndo na Justiça. Não está descartada a possibilidade de que essa CPI acabe não produzindo muita coisa importante. A decisão judicial do Distrito Federal proibindo Renan de assumir a relatoria da CPI, que deve ser montada hoje, é um sinal claro de que a pressão política do governo será forte e usará todos os meios ao alcance da maioria. Renan deve resolver o caso com um recurso, que será aceito por outro juiz, mas a pressão sobre ele será grande.

Vamos saber, com o começo dos trabalhos, que senadores são realmente independentes, qual o tamanho do “acordão” que está sendo montado nos bastidores e qual a força política real do Palácio do Planalto. Isto é, se os políticos do Centrão ainda apostam na expectativa de poder de Bolsonaro ou se já enxergam uma luz no fim do túnel com a confirmação de que Lula está liberado para se candidatar em 2022.

Não esquecendo que o PT, assim como o PSDB em 2005 em relação a Lula, prefere ver Bolsonaro sangrando até a eleição do que impedi-lo agora. O ex-presidente Fernando Henrique defendeu naquela época o “sangramento” com a tese de que não poderiam criar um Getúlio vivo. Resultado: Lula foi reeleito em 2006, e o Getúlio vivo reapareceu, agora como uma assombração.

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