A sugestão para que o presidente Bolsonaro deixe para marcar o depoimento na Polícia Federal exigido pela decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello apenas quando o decano da Corte já tiver se aposentado, em novembro, denota insegurança, e só faz enfraquecê-lo.
Cogitar que a Polícia Federal terá comportamento diferente depois da aposentadoria de Celso de Mello revela a mente conturbada de quem acredita em teorias da conspiração. Ou a certeza de que a PF, sem uma autoridade a vigiá-la, lhe será dócil, o que confirma a vontade de controlá-la.
A lei permite que o presidente da República preste testemunho por escrito, quando é testemunha, mas não cita como deve ser tomado um depoimento se ele for o alvo da investigação. O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, foi favorável a que o presidente Bolsonaro escolhesse a forma do depoimento: “Dada a estatura constitucional da Presidência da República e a envergadura das relevantes atribuições atinentes ao cargo, há de ser aplicada a mesma regra em qualquer fase da investigação ou do processo penal”, disse, alegando que o presidente poderia depor presencialmente ou por escrito.
Como a lei não especifica a situação em que o presidente da República está sendo investigado, o ministro Luis Roberto Barroso autorizou que o então presidente Michel Temer, também investigado na ocasião, depusesse por escrito.
Já o ministro Celso de Mello entendeu que “o Senhor Presidente da República, por ostentar a condição de investigado, não dispõe de qualquer das prerrogativas (próprias e exclusivas de quem apenas figure como testemunha ou vítima) a que se refere o art. 221, “caput” e § 1º, do CPP, a significar que a inquirição do Chefe de Estado, no caso ora em exame, deverá observar o procedimento normal de interrogatório (CPP, art. 6º, inciso V, c/c o art. 185 e seguintes)”.
Outro detalhe da decisão do ministro Celso de Mello que provocou comentários de aliados de Bolsonaro foi a permissão para que os advogados de Moro participem, e façam perguntas, ao presidente Bolsonaro. O que, para esses assessores, é demonstração de que o decano do Supremo não gosta do presidente, significa apenas a equiparação dos dois investigados na ação.
O Procurador-Geral Augusto Aras deu salto mortal na decisão inicial para colocar o ex-ministro Sérgio Moro, que fez a acusação de interferência do presidente da República na Polícia Federal, no mesmo nível de investigado que Bolsonaro.
Deste modo, quando Moro foi depor na Polícia Federal logo no início da ação, Aras enviou três procuradores para participarem do interrogatório. Agora, a mesma condição será dada a Moro.
A alegação de Aras de que houve um precedente no caso de Temer não se sustenta à luz da lei, pois a interpretação de cada juiz dependerá também do ambiente em que a decisão for tomada. A de ontem é fruto da necessidade do STF de mostrar independência, pois a gestão anterior de Dias Toffoli estava muito atrelada ao Palácio do Planalto, assim como a da Procuradoria-Geral da República continua sendo.
Tomar decisões de independência em relação ao governo é importante para pelo menos manter a imagem pública do STF. A preocupação de seus seguidores tem razão de ser, pois Bolsonaro pode cometer atos falhos ou escorregões e contradições que por escrito não aconteceriam.
Mas o presidente está numa fase boa de relacionamento institucional com o Judiciário, como ele mesmo ressaltou dias atrás, e vai depor num ambiente mais favorável e controlado. Na época da denúncia, o ambiente político era completamente contra ele. Bolsonaro terá tempo suficiente para se preparar, e só um destempero, que lhe é comum, pode causar algum incômodo.
O impacto político para Bolsonaro é forte, sem dúvida. Mas a decisão só demonstra uma fragilidade dele como presidente porque seu entendimento dos poderes do Executivo é mais amplo que a lei permite supor. A independência entre os Poderes da República, ressaltada pelo novo presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, é a linha seguida pela decisão de Celso de Mello.