O ex-presidente Lula, ao gravar um vídeo após a derrota no Superior Tribunal de Justiça (STJ) afirmando que os que o levarem à prisão terão que assumir a responsabilidade de condenar um inocente, que passaria a ser um preso político, definiu com clareza o espaço em que os diversos atores envolvidos nesta trama se movimentam.
Trata-se de cada um assumir sua responsabilidade, a começar por ele próprio, que, como a maioria esmagadora dos condenados, alega inocência mesmo depois de ter sido condenado duas vezes e quer tirar proveito político da situação.
Também os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm diante de si a responsabilidade de levar a mais alta Corte do país a mudar sua jurisprudência apenas um ano depois de tê-lo feito em sentido inverso. Após a unanimidade do STJ, quando foi destacado que a tese da prisão em segunda instância torna nosso sistema penal mais eficaz, evitando a impunidade, uma mudança de jurisprudência para atender a um caso específico do ex-presidente Lula transformaria o Supremo em um tribunal sujeito a injunções da política do momento.
Por isso, já existe um entendimento tácito no Supremo Tribunal Federal de que a decisão da presidente, ministra Cármen Lúcia, de não colocar na pauta processos relativos à prisão após condenação em segunda instância não será confrontada pelos ministros que têm condições de levar o tema à pauta.
Um deles seria o ministro Marco Aurélio Mello, relator de duas Ações Diretas de Constitucionalidade (ADC) liberadas para pauta por ele desde dezembro: uma do Partido Ecológico Nacional (PEN), outra do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que pedem a suspensão da execução antecipada da pena após decisão em segunda instância.
O Supremo ainda não analisou o mérito dessas ações, mas o ministro já anunciou que não constrangerá a presidente com pedido para colocar o assunto em pauta. O outro é o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF, que já negou liminar a um habeas corpus preventivo a favor de Lula e encaminhou o caso ao plenário para análise do mérito.
Ontem, Fachin esteve com a ministra Cármen Lúcia e também não se dispõe a pressioná-la. Além do mais, mesmo os ministros que são a favor da mudança da jurisprudência para considerar a prisão apenas depois de uma decisão do STJ, não querem tratar do caso específico de Lula.
Mas se as ADCs forem pautadas, a tendência do Supremo seria alterar mais uma vez a jurisprudência, mas tratando da tese em abstrato, o que deixaria em posição menos incômoda ministros que não querem ser identificados como movidos pelo objetivo de não deixar Lula ser preso.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que manteve a condenação do ex-presidente pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, julgará ainda este mês os últimos recursos. O ministro Victor Laus, que entrou em férias em 21 de fevereiro, já estará de volta para completar o quadro de desembargadores que analisará os embargos de declaração. Depois disso, não havendo mudança na posição oficial do STF, a execução antecipada da pena será decretada.
Caberá à defesa do ex-presidente impetrar no STF um novo habeas corpus para tentar livrar Lula da cadeia, mas como a regra em vigor é essa, apenas uma decisão liminar monocrática de um ministro poderá beneficiar Lula. Essa será outra responsabilidade que o ministro Edson Fachin terá de assumir, mas ele, até agora, negou sistematicamente habeas corpus contra a prisão em segunda instância.
O máximo que pode acontecer é que, definida a prisão e recusada a liminar, a Segunda Turma, conhecida como “Jardim do Éden” por sua benevolência e formada pelos ministros Edson Fachin, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, dê o habeas corpus a Lula, possivelmente com restrições como prisão domiciliar ou tornozeleira eletrônica.