A decisão de Raquel Dodge, na qualidade de procuradora-geral eleitoral, de divulgar instrução normativa orientando todos os procuradores a ingressarem com ações para impugnar candidaturas de políticos condenados em segunda instância, conforme prevê a Lei da Ficha Limpa, é mais uma sinalização da Justiça de que não permitirá que a insegurança jurídica embaralhe o resultado das eleições de outubro.
Mesmo que tenha ressaltado que a legislação admite candidaturas sub judice, quando ainda há possibilidades de recursos, a decisão, acrescentada da advertência do atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro do STF Luiz Fux, de que a Justiça Eleitoral será rigorosa contra os candidatos fichas-suja, indica que a tentativa do PT de tentar ganhar tempo através de recursos protelatórios para conseguir colocar o nome de Lula na urna eletrônica tem tudo para dar errado.
Rapidez e rigor são as palavras que acompanham sempre as declarações das autoridades encarregadas de zelar pela lisura das eleições presidenciais. Nossa expectativa é fazer prevalecer a Lei da Ficha Limpa, garantiu a procuradora-geral da República. Ontem o futuro presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, no plantão judiciário, confirmou à Justiça Eleitoral de Goiás que o ex-senador Demóstenes Torres pode se candidatar ao senado nas próximas eleições.
A decisão fora tomada por 3 votos a 2 na Segunda Turma do Supremo, e foi confirmada ontem por Toffoli. A alegação para passar por cima da Lei da Ficha Limpa, que prevê que, além dos condenados em segunda instância, também os políticos cassados, como é o caso de Demóstenes, estão inelegíveis, é que o ex-senador não poderia ser considerado inelegível porque as provas que justificaram sua cassação acabaram anuladas pela Justiça.
A decisão abre um precedente perigoso, pois a Lei da Ficha Limpa não prevê nenhum recurso ao STF. O Senado que cassou Demóstenes foi simplesmente ignorado na decisão. Mas também é improvável que o processo que condenou Lula venha a ser anulado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a quem cabe analisar os recursos.
Precedente histórico
A interferência da Rússia na eleição de Donald Trump, alvo de uma investigação independente nos Estados Unidos, tem um precedente histórico revelado no livro de memórias de Nikita Khrushchev, secretário-geral do Partido Comunista da então União Soviética.
Ele se gaba de ter ajudado John Kennedy a vencer Nixon na eleição presidencial de 1960, retardando a liberação do piloto do U2 Gary Powers, preso acusado de espionagem. Com isso, evitou que Nixon, reconhecido como um anticomunista feroz, pudesse anunciar que só ele sabia como lidar com os soviéticos.
Na estimativa de Khrushchev, a manobra resultou em mais de 500 mil votos para Kennedy, que ganhou a eleição com 303 votos contra 219 no colégio eleitoral, com apenas 112.827 votos de diferença, ou 0,1% do voto popular.
Powers era piloto de um avião espião U2 abatido pelos mísseis soviéticos quando sobrevoava Sverdlovsk. O avião caiu quase totalmente intacto, e os soviéticos recuperaram seus equipamentos, que foram analisados minuciosamente durante o que se chamou de “a crise do U2”. Powers foi interrogado exaustivamente pela KGB durante meses, e acabou confessando que era um espião.
Sua libertação antes da eleição poderia dar um trunfo para Nixon, que servira durante oito anos como vice de Eisenhower. Outra coincidência com a eleição de Trump contra Hilary Clinton em 2016 é que Nixon dedicou-se a uma campanha em todos os distritos eleitorais, enquanto Kennedy empenhou seu esforço nos chamados estados indecisos
(swing states), do mesmo modo que Trump fez. Hilary Clinton ganhou no voto popular e perdeu no colégio eleitoral. Kennedy ganhou nos dois, mas, pelas contas de Khrushchev, perderia no voto popular se não fosse a ajuda da União Soviética. Não há como provar que não ganharia no colégio eleitoral, que é o que vale, se a União Soviética não tivesse evitado que o anticomunista Richard Nixon pudesse angariar popularidade com a liberação do prisioneiro.