O comentário de Toffoli serviu para demonstrar mais uma vez a discordância entre os ministros do Supremo
Nada mais esclarecedor para a polêmica lançada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, do que a entrevista ao Globo de Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteira. Enquanto Toffoli diz que a Lava-Jato, embora com resultados importantes no combate à corrupção, quebrou empresas brasileiras, Marcelo, o mais importante empresário condenado pela Lava-Jato, pensa diferente.
Perguntado se a Operação Lava-Jato pode ser culpada pela situação financeira da empreiteira, que enfrenta um processo de recuperação judicial, ele diz claramente: “É fácil dizer que o que quebrou a Odebrecht foi a Lava-Jato. Sim, a Lava-Jato foi o gatilho para nossa derrocada, mas a Odebrecht poderia ter saído dessa crise menor, mas mais bem preparada para um novo ciclo de crescimento sobre bases até mais sustentáveis. Só que nós não soubemos conduzir o processo da Lava-Jato. A Odebrecht quebrou por manipulações internas, não apenas pela Lava-Jato”.
Marcelo Odebrecht diz que a empresa era muito descentralizada, e por isso nem todos sabiam o que os outros diretores estavam fazendo. Quando começou a Lava-Jato, “ninguém sabia de fato o que o outro havia feito de errado, e muitos se omitiram. Havia ainda uma preocupação em não trazer para o âmbito do inquérito da Lava-Jato temas e pessoas que estavam fora da investigação de Curitiba, que, devemos lembrar, era inicialmente exclusiva sobre acontecimentos ligados à Petrobras. Não queríamos trazer para a Lava-Jato a nossa relação política, que não necessariamente envolvia toma lá, dá cá, mas que podia ser mal explorada, como, aliás, acabou sendo”.
As “manipulações internas” a que Marcelo Odebrecht se referiu na entrevista podem ser resumidas em uma frase dele: “A informação que me davam (na cadeia) é a de que a empresa não estava pronta para um acordo (com a Justiça). Depois vim a descobrir que a informação que levavam para a empresa é a de que quem não estava disposto a colaborar era eu”. O problema maior, na verdade, está ligado mais à inexistência de legislação que permitisse salvar as empresas e punir seus controladores. Os acordos de leniência na maioria das vezes tinham que ser feitos em três etapas, às vezes concomitantes: Advocacia-Geral da União (AGU); Controladoria-Geral da União (CGU) e Tribunal de Contas da União (TCU).
Como a legislação sobre o assunto é ainda muito fluída, e nenhum governo se interessou em regulamentá-la, definindo a função de cada um dos órgãos federais, as exigências eram díspares, e muitas vezes um desses órgãos não aceitava o acordo feito com o outro. Ao mesmo tempo, ainda que feito o acordo, muitas estatais, especialmente a Petrobras, tinham receio de voltar a aceitar empreiteiras envolvidas na Lava-Jato nas suas licitações.
Marcelo Odebrecht trata as “relações políticas” da empreiteira de sua família como se girassem em torno de financiamentos eleitorais corriqueiros através do caixa 2, que “não necessariamente” envolviam “toma-lá-dá-cá” . Na verdade, o que a Odebrecht fez foi bem diferente disso, foi um passo além do caixa 2, que por sinal é crime, como nunca se cansa de salientar a miniostra do Supremo Carmem Lucia.
Ganharam licitações no exterior a custas do ex-presidente Lula, e aqui ganharam licitações fraudadas. Montaram uma operação que pudesse parecer legal, e lavaram de dinheiro através da Justiça Eleitoral, desvirtuando o sistema eleitoral brasileiro. Tomaram conta do governo através de propinas em obras no Brasil e no exterior. Depois de anos, ele tenta normalizar um escândalo nunca visto, a ponto de a Operação Lava-Jato ter recuperado já R$14 bilhões, dinheiro desviado dos cofres públicos.
O comentário de Toffoli serviu para demonstrar mais uma vez a discordância entre os ministros do Supremo, com o ministro Marco Aurélio Mello divergindo do seu presidente. Discordâncias seriam normais se não viessem a público, e se fossem restritas a interpretações constitucionais.
Com a politização da posição dos ministros, que dão suas opiniões cotidianamente, passam a ser divergências conceituais importantes. Disse o ministro Marco Aurélio: “De forma alguma [destrói empresas], ao contrário. Fortalece. E gera confiança. Gera segurança. Não deixa de ser um marco civilizatório. O ruim é quando se varre [a suspeita] para debaixo do tapete, aí é péssimo.”