Confirmada a hipótese de o vídeo ter sido apagado, ficará claro que há alguma coisa a esconder
O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro deu uma pista importante em seu depoimento à Policia Federal no inquérito que investiga a possível tentativa de interferência do presidente Bolsonaro na Polícia Federal.
Disse que será possível verificar na Polícia Federal e na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que todas as informações “legais” foram passadas à presidência da República, não se justificando a reclamação do presidente.
Não é uma simples disputa entre chefe e subordinado sobre o cumprimento de funções, mas a pista para se confirmar que Bolsonaro não estava satisfeito com os limites legais que o impediam de ter acesso a outras informações da Polícia Federal, ato que passaria a ser ilegal.
Se é verdade que o procurador-geral da República Augusto Aras tende a arquivar o inquérito porque em seu depoimento o ex-ministro Sergio Moro não acusou Bolsonaro de nenhum crime, será uma decisão absurda que o desmoralizará, pois foi ele próprio quem identificou os diversos crimes que poderiam estar indicados no depoimento de Moro ao pedir demissão do ministério da Justiça.
Cabe ao procurador-geral investigar, e não a Moro acusar. Além dos indícios de provas que serão ou não investigados pelos promotores, há o vídeo citado por Moro da reunião ministerial onde Bolsonaro o teria ameaçado de demissão por não dar informações sobre a PF, e o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) explicado que aquele tipo de informação não poderia ser fornecida.
Neste caso, ficaria caracterizada a tentativa do presidente de interferir indevidamente na PF. Por absurdo, confirmada a hipótese de o vídeo ter sido apagado, ficará claro que há alguma coisa a esconder, o que configuraria obstrução da Justiça, um crime óbvio.
Foi assim que terminou a presidência do então presidente Richard Nixon, no caso Watergate nos Estados Unidos, quando parte de uma gravação de conversa em seu gabinete foi deletada pela secretária do então presidente americano, alegadamente por acidente. Alegação que se tornou ridícula.
O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, é o titular da ação penal, o que significa que é um ato de soberania sua oferecer a denúncia ao final do inquérito, ou arquiva-lo. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, relator do inquérito, não tem autoridade para discordar da decisão em caso de arquivamento. Mas o Supremo pode não aceitar eventualmente uma denúncia.
Repúdio
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, manifestou-se em nome da Corte condenando as agressões a jornalistas na manifestação contra o STF e o Congresso em frente ao Palácio do Planalto no domingo passado, com a presença do presidente Jair Bolsonaro.
Aproveitou para se posicionar sobre os ataques ao Supremo: “Na democracia, as divergências são equacionadas pelas vias institucionais adequadas, pré-estabelecidas na Constituição, a qual dita as regras do jogo democrático. As irresignações contra decisões deste Supremo Tribunal Federal se dão por meio dos recursos cabíveis. Jamais por meio de agressões ou ameaças a esta instituição centenária, ou a qualquer um de seus ministros individualmente”.
Toffoli disse que, na ocasião, “foi agredida a democracia”. A coincidência de as agressões terem acontecido no Dia da Liberdade de Imprensa, tornou, para Toffoli, as tornou “lamentáveis e intoleráveis”.
“Sem imprensa livre, não há liberdade de informação e expressão. Sem imprensa livre não há democracia”, afirmou. O presidente Dias Toffoli voltou a apelar a união necessária: “Devemos prestigiar a concórdia, a tolerância e o diálogo, bem como exercitar a solidariedade e o espírito coletivo. É momento de harmonia, de equilíbrio e de ação coordenada entre as instituições e os Poderes da República. As divergências existem, pois elas são naturais na democracia. Na democracia, as divergências são equacionadas pelas vias institucionais adequadas, preestabelecidas na Constituição, a qual dita as regras do jogo democrático”.
Mais uma vez a retórica a favor da democracia e da liberdade de expressão ganha força nesses momentos escuros que estamos vivendo. Breve, será necessário mais do que simples palavras para repudiar a tentativa de implantar no país um governo autoritário.