Merval Pereira: Perigos da urna

A candidatura do ex-presidente Lula à Presidência da República, que no momento é apenas um simulacro, pois a Lei da Ficha Limpa impede seu registro pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pode tornar-se um fato real com repercussões traumáticas no país caso leis em vigor sejam sucessivamente superadas, revogadas ou alteradas para permitir que seu nome apareça na urna eletrônica no dia da votação.
Foto: Ricardo Stuckert
Foto: Ricardo Stuckert

A candidatura do ex-presidente Lula à Presidência da República, que no momento é apenas um simulacro, pois a Lei da Ficha Limpa impede seu registro pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pode tornar-se um fato real com repercussões traumáticas no país caso leis em vigor sejam sucessivamente superadas, revogadas ou alteradas para permitir que seu nome apareça na urna eletrônica no dia da votação.

Essas possibilidades têm sido alvo de vários estudos acadêmicos liderados pelo cientista político Carlos Pereira, professor da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, tanto do ponto de vista da ideologia quanto da repercussão no eleitor comum das condenações por corrupção de um candidato. Pesquisas indicam que a condenação de um candidato, no fim das contas, reduz sua intenção de votos, mesmo em casos excepcionais de resiliência como o de Lula.
Do ponto de vista puramente eleitoral, o advogado Ricardo Penteado, especialista em Direito Eleitoral e direitos políticos, publicou recente artigo na “Folha de S. Paulo” onde explora a possibilidade de a candidatura de Lula, impugnada após a realização do primeiro turno, levar a um resultado inusitado das eleições. Os dois analistas não acreditam que a candidatura de Lula vingue. Carlos Pereira a vê diretamente associada à estratégia de sobrevivência jurídica, enquanto Ricardo Penteado faz uma simulação sobre a possibilidade de Lula vir a disputar o primeiro turno, sendo seus votos considerados nulos pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Essa situação, além de provocar uma instabilidade política no país com consequências imprevisíveis, pode dar a vitória ao segundo colocado ainda no primeiro turno. Ele lembra que a Constituição diz que “será considerado eleito presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta dos votos, não computados os em branco e os nulos” e “se nenhum candidato alcançar maioria absoluta na primeira votação, far-se-á nova eleição…, concorrendo os dois candidatos mais votados e considerando-se eleito aquele que obtiver a maioria dos votos válidos”.
Assim, se depois do primeiro turno Lula não estiver registrado, seus votos serão considerados nulos e, como manda a Constituição, não serão computados para a proclamação do eleito ou dos concorrentes no segundo turno.
O inusitado disso, diz Ricardo Penteado, é que quanto mais sucesso Lula venha a fazer junto ao eleitorado, menos votos precisam ter os demais candidatos para uma eventual definição do eleito no primeiro turno. Se a eleição se define apenas com votos válidos, desprezados os nulos e brancos, quanto mais votado venha a ser Lula, maior será o número dos votos nulos e menor será a base de cálculo para a definição do vencedor no primeiro turno, dentre os candidatos registrados.
Existe a possibilidade, calcula Ricardo Penteado, de que a candidatura de Lula ajude a definir a eleição no primeiro turno com um presidente eleito por menos de 25% do eleitorado brasileiro. Esse resultado catastrófico da eleição de outubro, digo eu, só acontecerá se os tribunais superiores não fizerem sua parte, permitindo que a candidatura de um condenado em segunda instância prospere através de artifícios jurídicos.
Já Carlos Pereira considera que, como todos os outros candidatos e partidos sabem que a maior probabilidade é que a candidatura de Lula seja impugnada pelo TSE (Lei da Ficha Limpa), existem incentivos para que os demais partidos de esquerda e de centro lancem candidatos. Entretanto, acredita que esse efeito de pulverização de candidatos seja mais forte na esquerda. O centro se acertará no final pois, na opinião dele, tem menos problemas de coordenação.
Como o PT se tornou o núcleo da esquerda do qual os outros partidos de esquerda têm sido satélites desde 1989, a ausência de uma candidatura do PT em alternativa ao Lula gera fortes incentivos a que os outros partidos nutram a ambição de se tornar o novo núcleo. Ou seja, “PT do amanhã”.
Daí porque Carlos Pereira acredita que existirão vários candidatos de esquerda “não competitivos”, inclusive o nome do PT se Lula deixar para retirar a sua candidatura no limite legal. Ou seja, quanto mais tarde Lula retirar a candidatura, menores serão as chances de o PT continuar a exercer esse papel aglutinador da esquerda.
Se de fato houver pulverização de candidaturas à esquerda, corre-se o risco de nenhuma delas chegar ao segundo turno. Carlos Pereira faz uma ressalva: esse quadro pode ser alterado se o ex-ministro do Supremo, Joaquim Barbosa, decidir se candidatar à Presidência pelo PSB. Joaquim Barbosa talvez seja o candidato que melhor encarne o combate à corrupção, a maior preocupação do eleitor brasileiro atualmente. Amanhã, os efeitos da corrupção.

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