Bolsonaro monta um governo baseado em reivindicações da sociedade como combate à corrupção e ao crime organizado
A última vez que isso aconteceu foi em 2003, quando houve uma troca de guarda na política brasileira, saindo o PSDB que governara o país por 8 anos, chegando o PT. Os que saiam cometeram o mesmo erro que os perdedores de agora, jogavam no fracasso dos entrantes. Era voz corrente entre tucanos que Lula e seus sindicalistas, por falta de experiencia, não conseguiriam governar sozinhos e procurariam os primos da social-democracia para uma ampla aliança política. O mesmo Aloisio Mercadante que levou o PT a não apoiar o Plano Real, chamando-o de estelionato eleitoral, agora comanda a estratégia de acusar Moro por ter aceitado ser ministro de Bolsonaro.
Deu no que deu. O PT ficou 13 anos no poder, e enraizou-se de tal maneira na máquina administrativa brasileira que, das tarefas principais do novo governo, está a de desaparelhar o Estado. E ainda esnobou os companheiros de esquerda política, empurrando-os para a direita do campo partidário, acusando-os de terem legado uma “herança maldita”.
Roubou ideias originais dos governos tucanos e melhorou-as, acabando por ter o Bolsa-Família como carro chefe de seu programa de governo, que o salvou da derrota política quando a classe média e o eleitorado das cidades grandes começaram a abandoná-lo devido às denúncias de corrupção.
O PT foi para o Nordeste e lá fincou raízes que o permitiram manter um naco ponderável do eleitorado, o que levou Fernando Haddad para o segundo turno em 2018. Um mérito inegável do governo de Lula foi trazer para o centro do debate político a desigualdade social, graças ao faro político desse que ainda é, mesmo da cadeia, o maior líder popular do país.
A desordem econômica instaurada no governo Dilma, poste que Lula pensava comandar, e a corrupção que financiava o projeto de poder permanente do PT desde os primeiros momentos do primeiro governo Lula, provocaram a maior crise econômica que o país já viveu, e levaram pelo ralo os avanços sociais conseguidos.
Paradoxalmente, foi a classe média baixa e os emergentes sociais que deram o sinal de alarme contra os governos petistas. Tendo perdido muito, e com medo de perder mais ainda, retrocedendo na escala social, sentiram-se ameaçados pelos desmandos petistas. Ao lado da agenda social que ele mesmo conseguiu desmontar, o PT ampliou agendas de costumes conectadas com as das mais avançadas democracias do ocidente, o que foi um ganho civilizatório, mas ofendeu essa mesma classe média, que viu crescentemente afetados seus valores.
É esse eleitor que, desde 2005 quando estourou o mensalão, vem fazendo lento retorno à direita, que explodiu em 2013 nas manifestações contra os péssimos serviços públicos oferecidos, em contraposição à roubalheira generalizada. O movimento foi concluído agora em 2018 com a eleição de Bolsonaro, que se beneficiou da falência do esquema partidário montado de comum acordo entre PT, PSDB e MDB.
Se não houvesse contemporizado com seus corruptos, e se se negasse a participar do governo Temer quando a gravação com o empresário Joesley Batista explicitou o que todos sabiam, mas estava acobertado por um governo que ia na direção correta na recuperação da economia devastada pelo petismo, o PSDB poderia ter sido o grande beneficiário da crise política, e Bolsonaro talvez estivesse disputando votos com o Cabo Daciolo.
Mas os tucanos se lambuzaram, e não entenderam o que se passava na alma do brasileiro médio. Quem entendeu foi Bolsonaro, que agora monta um governo baseado na dupla reivindicação da sociedade: combate à corrupção e ao crime organizado, que colocam em pânico as famílias, e desmonte do sistema de poder que dominou a cena politica nos últimos 25 anos.
O economista Paulo Guedes passou anos escrevendo contra o que chamava de conluio social-democrata que atrasava o país, colocando PT e PSDB no mesmo saco. O juiz Sérgio Moro foi o líder do combate à corrupção no país, e levou para a cadeia grande parte do antigo regime, apartidariamente. A maioria dos que estavam soltos foi defenestrado pelo eleitorado.
O PT, assim como fez com o Plano Real e quebrou a cara, permitindo que os tucanos ficassem oito anos no poder, agora joga no fracasso do novo governo. Se não fizer muita besteira, Bolsonaro pode se transformar em uma espécie de Lula da direita, e será o primeiro presidente sem ser do PT a gerir o Bolsa-Família. Terá chance de provar para os mais pobres que não é apenas Lula quem é capaz de cuidar bem deles. Já penetrou no Nordeste mais que qualquer outro nesta eleição, e poderá tirar do PT esse eleitorado cativo.