A proposta do semipresidencialismo em análise. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que estabelece o semipresidencialismo como forma de governo no país atribui ao presidente da República, que seria eleito pelo voto direto, um papel mais amplo do que o de árbitro de decisões do governo. O Artigo 61 confere ao presidente a competência de propor leis ordinárias e complementares. Por sua vez, o Artigo 84 permite ao chefe de Estado vetar total e parcialmente projetos de lei.
Ele está sendo debatido pelo presidente Michel Temer com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que acumula a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunício de Oliveira, além de lideranças políticas, e pode ser apresentado ainda neste governo, mas não poderia entrar em vigor em 2018, pois já temos menos de um ano para as eleições.
Além do mais, o tema é controverso, pois a mudança do presidencialismo para o parlamentarismo já foi derrotada duas vezes em plebiscito, e o Supremo ainda julgará se é possível fazer tal mudança apenas por emenda constitucional, sem novo plebiscito. Octavio Amorim Neto, professor associado da EBAPE/FGV-Rio e atualmente investigador visitante do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa no período 20172018, um especialista nesse tipo de sistema de governo, principalmente no sistema português, que estuda há 20 anos, fez, a meu pedido, uma análise da PEC, baseando seus comentários nos trabalhos dos politólogos Robert Elgie, Matthew Shugart e John Carey.
O semipresidencialismo é um sistema de governo cuja constituição estabelece um chefe de Estado diretamente eleito pelo povo e um primeiro-ministro e um gabinete dependentes da confiança parlamentar. Há duas formas de semipresidencialismo: o chamado regime premierpresidencial, em que o primeiro-ministro e o gabinete são coletivamente responsáveis apenas perante o Parlamento — Portugal desde 1983 e a Vª República Francesa são exemplos desse subtipo. Há também o regime presidencial-parlamentar: trata-se de uma forma de semipresidencialismo em que o primeiro-ministro e o gabinete são coletivamente responsáveis perante tanto ao Parlamento, quanto ao presidente. A Rússia de hoje em dia e a República de Weimar são exemplos bem conhecidos.
Segundo Octavio Amorim Neto, a literatura acadêmica é praticamente unânime na constatação de que o regime premier-presidencial, em que é baseada a proposta em discussão, é superior ao presidencial-parlamentar no que diz respeito tanto ao desempenho governamental quanto à qualidade da democracia. Ele suspeita que uma das razões para a retenção daquelas duas atribuições presidenciais — a de propor leis e de vetar propostas — diga respeito à batalha que ainda está por ser travada no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na sua avaliação, os advogados do projeto poderão arguir que, com os poderes que o presidente ainda terá sob o semipresidencialismo, o novo sistema de governo estará bem mais próximo do polo presidencialista do que do parlamentarista, permitindo que o atual presidencialismo puro seja alterado apenas por emenda à Constituição, e não por plebiscito.
Paradoxalmente, analisa, o veto parcial é mais poderoso do que o total, uma vez que, por meio daquele, o presidente poderá tentar eliminar apenas trechos de uma lei que desagradem a um setor da maioria parlamentar, jogando-o contra o setor ao qual os trechos são desejáveis. Já o uso do veto total força o presidente a confrontar abertamente a maioria parlamentar que aprovou o projeto em questão. “O veto parcial propiciará ao chefe de Estado táticas do tipo ‘divide et impera’ face à maioria parlamentar, maximizando o poder presidencial. Além disso, a capacidade de propor leis ordinárias e complementares poderá criar o risco de que o presidente venha a competir com o primeiro-ministro pelo controle da agenda legislativa do Congresso”, analisa Neto.
Para evitar conflitos entre poderes, ele acha que seria importante eliminar a capacidade de propor leis e o poder de veto parcial, mantendo-se o veto total, e deixar bem claro o papel fundamental de árbitro do governo a ser exercido pelo presidente. A arbitragem presidencial se ampararia, diz Octavio Amorim Neto, nas atribuições privativas de indicar, nomear e exonerar o primeiro-ministro, de dissolver a Câmara dos Deputados e de convocar novas eleições (Artigo 84). “Porém, não sei se o STF aceitaria que tal redução dos poderes do presidente da República às condições de chefe de Estado, comandante supremo das Forças Armadas e árbitro do governo fosse efetuada apenas por meio de uma emenda constitucional. (Nas próximas colunas abordarei outros aspectos da proposta, baseado nos comentários de Neto).