Merval Pereira: O risco da democracia

O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, e os ministros militares estão sendo lenientes com Bolsonaro.
Foto: Nelson Jr./SCO/STF
Foto: Nelson Jr./SCO/STF

O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, e os ministros militares estão sendo lenientes com Bolsonaro

A versão mais recente do Palácio do Planalto sobre o vídeo da reunião ministerial em que o presidente Bolsonaro ameaçou demitir o então ministro Sergio Moro dá conta de que o presidente se queixava da segurança pessoal dele e de sua família. Sem saber o contexto em que se deu a discussão, pois o vídeo ainda não foi liberado, pode-se afirmar, no entanto, que Moro seria o interlocutor errado, pois a segurança do presidente e família é feita pelo Exército e pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), e o responsável é o General Augusto Heleno, que estava na reunião e não foi admoestado pelo presidente.

Além do mais, quem foi demitido foi o diretor-geral da Polícia Federal, e por tabela o ministro Sergio Moro. Outro ponto interessante é que o delegado Alexandre Ramagem, que foi indicado por Bolsonaro para chefiar a Policia Federal, era o chefe da Abin. Portanto, se a queixa de referia à segurança pessoal, cuja responsabilidade era de Ramagem, por que indicá-lo para a PF? .

A exibição integral da reunião ministerial servirá para confirmar a acusação de Moro ao deixar o ministerio da Justiça, como também para se constatar de que maneira o presidente Bolsonaro conduz os destinos do país. Pelos relatos, um autoritarismo sem controles, e um ambiente de desrespeito a seus ministros que, para agradar o presidente, não apenas aceitam os maus tratos como tentam imitá-lo, usando palavras chulas e atacando sem distinção países e instituições.

O presidente Bolsonaro quer constranger as forças democráticas que impõem limites a qualquer presidente da República, porque quer fazer um governo mais liberado dessas limitações, um perigo, porque é exatamente o que Hugo Chavez fez na Venezuela, constranger até controlar os Poderes, e usar a democracia direta para impor as suas vontades.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, e os ministros militares estão sendo lenientes com Bolsonaro e, nessa toada, começaremos a abrir mão dos freios que a democracia representativa impõe ao presidente.

O presidente da Câmara Rodrigo Maia claramente não quer aparecer como o grande inimigo de Bolsonaro, o homem que vai autorizar o impeachment, e o STF, embora tenha tomado decisões ultimamente seguras e restringido abusos, através de seu presidente está condescendente com as atitudes de Bolsonaro. Muito preocupante nesse sentido a entrevista que deu ao programa Roda Viva, onde tentou explicar a ida de Bolsonaro ao STF.

Disse que não se sentiu constrangido, e que entende perfeitamente que Bolsonaro governa para os seus, para os radicais que o elegeram, que tenta trazer radicais para o centro, e que nunca fez nada de concreto contra a democracia. Disse também que as pessoas querem uma democracia mais direta, o que chamou de “uberização da política”, e o que está em jogo é a democracia representativa. É aí que mora o perigo, é exatamente o que o Chavez fez na Venezuela.

Na democracia direta, é possível manipular plebiscitos, consultas, referendos, e o presidente começa a ser autorizado a fazer coisas que o STF e o Congresso não autorizariam. O ministro Luis Fux vai assumir a presidência do STF em setembro, e espero que tenha visão de Estado maior do que a que Toffoli está demonstrando.

Pesquisa de ontem da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) e MDA diz que aumentou o nível de pessoas que consideram o governo ruim ou péssimo, mas Bolsonaro mantém os 30 por cento favoráveis. Ontem, por exemplo, fez manifestação contra a ideologia de gênero nas escolas. No meio dessa pandemia que cresce brutalmente, no dia em que chegamos ao nível de 800 mortes diárias, e a mais de 12 mil mortos durante a pandemia. Faz isso apenas para alimentar os seus radicais, o núcleo duro de seus eleitores, e se manter competitivo em 2022.

Se o Congresso estivesse reunido presencialmente, acho que o ambiente político estaria muito mais conturbado, porque ele registra a pulsão da sociedade. Mas do jeito que está, funcionando virtualmente, e o isolamento social fazendo com que só maluco vá para a rua se manifestar, a maioria do povo brasileiro, que condena o governo Bolsonaro, está sem poder se manifestar, o que é um perigo para a democracia representativa.

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