“Como será amanhã? /Responda quem puder/ O que irá me acontecer/ O meu destino será/ Como Deus quiser”. O belíssimo samba-enredo da União da Ilha de 1978, cujo refrão caiu na boca do povo, é de autoria de João Sérgio e do procurador da República Gustavo Adolfo de Carvalho Baeta Neves, que se assinava simplesmente Didi para enganar a família, que não queria vê-lo envolvido nas escolas de samba.
Pois a letra do magistrado define bem a situação de seu colega de Judiciário, o ex-Juiz e governador afastado do Rio Wilson Witzel, cuja carreira política meteórica deve ter tido um ponto final ontem com o afastamento decretado pelo ministro Benedito Gonçalves do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Mas não define a situação dramática do próprio Estado, que já teve nada menos que seis governadores presos ou investigados. Nesse caso, o futuro pertence aos próprios cidadãos, que têm escolhido mal há anos, levando o Estado à situação de bancarrota moral e financeira.
O Rio de Janeiro vive já há algum tempo situação similar à do Espírito Santo em 2003, com os poderes do Estado dominados por milícias e traficantes. A eleição de Paulo Hartung deu uma virada no Estado, que se recuperou econômica e moralmente.
O afastamento do governador Wilson Witzel é uma repetição impressionante da política do Rio, inclusive da cadeia sucessória: governador afastado, vice-governador e presidente da Assembleia investigados. Nunca a frase de Marx foi tão apropriada.
Repete-se como farsa o que aconteceu com o ex-governador Sérgio Cabral, condenado a 300 anos. É a segunda vez nos últimos meses que a polícia entra no Palácio Laranjeiras para fazer vistoria na casa do governador Witzel, que conseguiu pelo menos licença para morar lá nos próximos seis meses.
Acho que não terá esse tempo todo, pois ontem o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes liberou a Assembléia do Rio para prosseguir o processo de impeachment, que estava suspenso.
Não desconheço o interesse dos Bolsonaro na política do Rio – são políticos daqui, o que confirma a nossa triste tendência para o baixo clero da política e, depois de ajudarem a eleição de Witzel, confrontaram-se, num erro político do governador afastado que só a megalomania explica. Enebriado pela vitória surpreendente no Rio, Witzel lançou-se candidato à presidência da República na sucessão de Bolsonaro.
Imaginando que o presidente estava a caminho da inviabilização política, rompeu com ele. Perdeu o eleitorado de direita, e não ganhou a classe média do Rio, que tentou cooptar com o anúncio de uma política de segurança pública desastrosa, que provocou muitas mortes de inocentes nos embates da polícia com os traficantes, que tinham suas cabeças literalmente a prêmio. “Tem que acertar na cabecinha”, anunciou o governador, autorizando ações irresponsáveis da polícia. Portanto, a euforia do presidente Bolsonaro diante do afastamento de seu adversário político tem explicação, mas é inaceitável, especialmente para um presidente que tem seu reduto eleitoral no Rio.
Não acredito, no entanto, que o ministro do STJ Benedito Gonçalves tenha tomado decisão tão grave como parte de uma conspiração política para ajudar o presidente, como acusa Wilson Witzel. Houve uma investigação séria sobre um esquema de corrupção terrível na Saúde do estado. É natural que Witzel tente se defender, invente conspirações, mas não creio que seja verdadeiro. A razão principal são as provas coletadas, “robustas”.
Nesse ponto é que o amanhã do Estado do Rio entra na história. Até o momento, quem governa o Estado é o vice-governador Claudio Castro, pois não existe nenhum impedimento legal contra ele. Mas moralmente começa seu mandato fragilizado, pois está sendo investigado na mesma Operação da Lava-Jato, assim como o presidente da Assembléia Legislativa, André Ceciliano.
Ambos podem ser afastados no andamento das investigações. O que nos levaria a novas eleições para governador. Se, o que parece improvável, a situação se definir até o fim deste ano, teríamos eleições diretas. Se a definição ficar para o próximo ano, seria convocada uma eleição indireta, para a escolha do governador pela Assembléia Legislativa. Diante do que tem acontecido por lá, é provável que surja um movimento a favor de eleições diretas, o que seria a melhor solução para a tentativa de reconstruir o Rio.