Merval Pereira: Manual da pequena política

Candidatos devem dizer o que um determinado grupo quer ouvir, ensina o manual ‘Como ganhar uma eleição’.
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Candidatos devem dizer o que um determinado grupo quer ouvir, ensina o manual ‘Como ganhar uma eleição’

Comparar as campanhas eleitorais na Antiga Roma com a atuação política atual serve de escusa para os que fazem a “pequena política”, que alegam que esse toma lá dá cá existe desde sempre, mas também de ensinamento histórico para que prevaleça a “grande política” que predominava, principalmente, em Roma no século I d.C. No início deste ano eleitoral, escrevi sobre o livro “A campanha eleitoral na Roma Antiga”, do historiador alemão Karl-Wilhelm Weeber. Nele havia referência a um pequeno manual da campanha eleitoral, atribuído a Quinto Túlio Cícero, para orientar seu irmão mais velho, o grande orador Marco Túlio, que foi eleito cônsul em 63 a.C.

Em boa hora a editora Bazar do Tempo está lançando a tradução em português do manual, com o título “Como ganhar uma eleição: Um manual da Antiguidade Clássica para os dias de hoje”. Nesse texto, Quinto Cícero enumera uma série de estratégias para uma campanha bem-sucedida. Algumas dessas, destacadas na apresentação por Philip Freeman, PhD por Harvard em Antiguidade Clássica, subsistem até hoje:

Prometa tudo a todos. Exceto nos casos mais extremos, os candidatos devem dizer o que um determinado grupo quer ouvir. Diga aos conservadores que você tem repetidamente apoiado valores tradicionais. Diga aos progressistas que você sempre esteve do lado deles. Depois da eleição, você pode explicar a todo mundo que adoraria ajudá-los, mas, infelizmente, circunstâncias fora do seu controle o impediram.

Cobre todos os favores. É hora de delicadamente (ou não tão delicadamente) lembrar a quem ajudou que eles são seus devedores. Se alguém não dever nenhuma obrigação a você, deixe que saibam que o apoio deles agora porá você em débito para com eles no futuro. E depois de eleito você estará em condições de ajudá-los quando eles precisarem.

Não saia da cidade. Na época de Marco Cícero, isto significava permanecer perto de Roma. Para os políticos modernos, isto significa estar no lugar certo, fazendo campanha corpo a corpo com os eleitores-chave. Não existe dia livre para um candidato sério. Você pode tirar férias depois que vencer. Puxe o saco dos eleitores abertamente. Marco Cícero era sempre educado, mas podia ser formal e distante. Quinto alerta que ele precisa ser mais receptivo com os eleitores. Olhe nos olhos deles, bata nas costas deles, e diga que eles são importantes. Faça os eleitores acreditarem que você se importa realmente com eles.

Dê esperança às pessoas. Até os eleitores mais cínicos querem acreditar em alguém. Dê às pessoas a sensação de que você pode tornar o mundo delas melhor, e elas se tornarão seus seguidores mais devotados — pelo menos até depois da eleição, quando você irá inevitavelmente desapontá-las. Mas nessa altura isso não fará mais diferença porque você já terá vencido.

O filósofo da política Newton Bignotto, especialista em Maquiavel, destaca em seu posfácio para o livro que esse contexto daquela Roma é mais próximo de nós do que pensamos: “Existia naquele tempo uma figura comum na cidade, que lembra nossos ‘operadores políticos’, os chamados repartidores (divisores). A função deles era dividir no interior das ‘tribos’ o dinheiro legal ou, muitas vezes, ilegal que lhes era destinado por meio de ‘doações’. Alguém se lembrou do caixa 2 das campanhas, ou das ‘contribuições não contabilizadas?’”

O problema era tão grave que várias leis foram aprovadas para tentar frear a influência do dinheiro nas eleições, como a Lex Flavia, que regulava o funcionamento dos banquetes e festas. Quinto sabia que seu irmão precisava escapar dessas armadilhas, usando de todo seu poder de convencimento: um pretendente ao consulado que ignorasse essa realidade e se portasse de forma ingênua seria irremediavelmente derrotado. Indispensável, embora discutível do ponto de vista ético, diz Quinto Cícero, era a fusão, em um só indivíduo, do homem bom (bonus vir) e o hábil contentor (bonus petitor). Ele definia assim, com brutal franqueza: “A primeira é a característica de um homem honesto; a segunda, de um bom candidato”.

Privacy Preference Center