As decisões dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux e Celso de Mello sobre o julgamento de Deltan Dallagnol pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), marcado para ontem, mas suspenso, dão uma visão menos política e mais técnica das disputas sobre os procedimentos da Operação Lava-Jato.
Por isso, é apressado tirar-se alguma conclusão sobre os efeitos da decisão de ontem sobre sua posição futura, se participar do julgamento da Segunda Turma do STF sobre a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro nos julgamentos do ex-presidente Lula. Mas é possível fazer-se a ilação de que sua posição de exigir provas evidentes para uma decisão exclui a utilização das reportagens do Intercept Brasil baseadas em informações roubadas dos celulares de procuradores de Curitiba, pois são provas ilegais.
Já iniciado, esse julgamento conta com dois votos dados a favor de Moro, os dos ministros Edson Fachin e Carmem Lucia. O ministro Gilmar Mendes, que pediu vistas e decidirá quando o tema voltará à pauta, e Ricardo Lewandowski devem votar a favor de Lula, ficando para o decano o desempate.
Mas ele se aposenta em novembro, e se até lá a ação não for julgada, a Segunda Turma poderá decidir com apenas quatro ministros, e o empate favorece Lula. Ou o então presidente Luiz Fux poderá designar algum ministro para o lugar de Celso de Mello.
Seria feio julgar assunto tão delicado e polêmico sem a turma completa. Existe também a possibilidade de o futuro novo ministro ocupar o lugar do decano na Turma, mas essa substituição demorará muito, pois haverá necessidade de o indicado ser sabatinado pelo Senado.
A decisão de Celso de Mello suspendendo o julgamento é magnífica, pois define o papel do MP como defensor da sociedade que não pode ser calado, fala sobre manobras que impediram o exercício pleno da defesa do chefe dos procuradores da Operação Lava-Jato em Curitiba, inviabilizando o devido processo legal, e ressalta a importância singular do Ministério Público: “(…) a Constituição da República atribuiu ao Ministério Público posição de inquestionável eminência político-jurídica e deferiu-lhe os meios necessários à plena realização de suas elevadas finalidades institucionais, notadamente porque o Ministério Público, que é o guardião independente da integridade da Constituição e das leis, não serve a governos, ou a pessoas, ou a grupos ideológicos, não se subordina a partidos políticos, não se curva à onipotência do poder ou aos desejos daqueles que o exercem, não importando a elevadíssima posição que tais autoridades possam ostentar na hierarquia da República, nem deve ser o representante servil da vontade unipessoal de quem quer que seja, sob pena de o Ministério Público mostrar-se infiel a uma de suas mais expressivas funções, que é a de defender a plenitude do regime democrático”.
O julgamento de ontem era sobre casos que já haviam sido julgados; estava tudo marcado para punir Dallagnol, com uma série de irregularidades sendo aceitas como normais. O ministro Luiz Fux, vendo que estava sendo preparada uma armadilha, anulou uma advertência contra Dallagnol imposta anteriormente, que seria um agravante contra o procurador.
Irritado com a decisão de Celso de Mello, mas sem referir-se diretamente ao caso, o Procurador-Geral da República Augusto Aras, que está empenhado em controlar a Operação Lava-Jato, fez um pronunciamento no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pedindo “mais respeito” à suas decisões, e às do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), lembrando que “não há ninguém acima da Constituição”.
Ao contrário, o que estava em curso era uma reação política. O relator do processo, Bandeira de Mello, foi chefe de gabinete do senador Renan Calheiros, autor de uma das acusações. As cartas estavam marcadas, e é uma vergonha para o Conselho Nacional do Ministério Público.
Foi montado um circo para dar “uma lição” na Lava-Jato através de sua figura mais proeminente hoje. Acredito que, a partir de agora, o caso seguirá dentro dos parâmetros normais e assim, não há por que retirar Deltan Dallagnol da função de coordenador da operação Lava-Jato.
Nada grave aconteceu para que ele fosse punido dessa maneira. Não é possível transformar em bandidos os juízes e procuradores que desvendaram o maior esquema de corrupção do país.