Merval Pereira: Falta de decoro

Mais uma vez estamos diante de uma disputa entre Poderes da República, e de membros de poderes entre si, que não dignifica o papel do Senado como instituição. Alegar que um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) não pode suspender o mandato de um senador eleito pelo povo é uma falácia, pois, se a lei manda consultar o Senado, será sempre dele a palavra final.
Foto: Reuters
Foto: Reuters

Mais uma vez estamos diante de uma disputa entre Poderes da República, e de membros de poderes entre si, que não dignifica o papel do Senado como instituição. Alegar que um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) não pode suspender o mandato de um senador eleito pelo povo é uma falácia, pois, se a lei manda consultar o Senado, será sempre dele a palavra final.

Por isso, o que estará em votação é a permanência em atividade de um senador que foi apanhado em flagrante tentando esconder dinheiro ilegal da maneira mais baixa já registrada nos anais policiais envolvendo nossas excelências.

Esse compadrio que começa a tomar conta dos senadores reflete apenas o temor de que seja um deles a próxima vítima de batidas policiais. A maioria está espantada com o despreparo de um “senador experiente” que não soube se desvencilhar da prova do crime, ou não teve sangue frio para assumir a posse desse dinheiro sem se auto denunciar no gesto extremo.

Não pelo local em si em que o senador Chico Rodrigues, um septuagenário, pretendeu esconder a bufunfa que roubou, segundo a Polícia Federal, da verba extraordinária que conseguiu para ajudar os povos indígenas durante a pandemia. Maior prova de falta de decoro não poderia ter havido.

Quando lembramos que o deputado federal Barreto Pinto teve que renunciar apenas porque apareceu numa fotografia de O Cruzeiro de cueca e fraque, vítima de um truque do repórter David Nasser que garantiu ao senador que apenas a parte de cima apareceria na foto, vemos como regredimos. As cuecas de Barreto Pinto não guardavam nada além de suas partes íntimas, já as do senador Chico Rodrigues guardavam dinheiro roubado. Sair de cueca numa foto era um crime contra o decoro no tempo em que se tinha noção do que seja decoro parlamentar.

Como é possível imaginar que um cidadão nessas condições possa continuar representando o Senado Federal? Como é possível o próprio Senado Federal achar que não sofrerá diante da opinião pública com manobras como a que está sendo arquitetada para salvar a pele do senador Chico Rodrigues?

O presidente do Senado, David Alcolumbre, que já havia rebaixado o cargo ao tentar se reeleger contra o que diz a Constituição, agora se agacha mais ainda ao articular nos bastidores a salvação de seu amigo e correligionário.

Sua presidência termina como começou, no baixo clero, representando mais um dos muitos políticos eleitos pelo que seria a nova política de Bolsonaro e se revelaram indignos do cargo que exercem.

Alcolumbre foi eleito com o apoio do novo esquema político do Palácio do Planalto, que na época era liderado pelo deputado Onix Lorenzoni. Agora, tenta, com o apoio do presidente Bolsonaro, ganhar uma reeleição a que não tem direito legalmente, nem merece politicamente.

A tentativa de blindar parlamentares das ações da Polícia Federal é permanente, e o próprio Chico Rodrigues já havia tentado aprovar uma norma que proibisse a ação policial nos escritórios e casas de políticos. Já houve também, e muitas vezes com sucesso, a tentativa de proibir a ação policial no interior do Congresso, como se fosse ali uma fortaleza a proteger os malfeitos de suas excelências.

A proteção legal aos parlamentares é uma necessidade da democracia, para impedir que sejam tolhidos em suas atividades. Mas não pode ser usada para proteger criminosos. O caso da deputada federal Flordelis é exemplar. Acusada de assassinato do marido, com o auxílio de vários dos seus filhos, protege-se com a imunidade parlamentar para não ir para a cadeia.

A proposta do ministro Luis Roberto Barroso para que sua decisão monocrática de suspender o senador por 90 dias seja levada o mais rápido possível ao plenário do Supremo, é uma forma de pressionar o Senado a adotar uma medida que parece a mais óbvia a qualquer pessoa séria preocupada com os destinos da política nacional.

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