O economista Eduardo Giannetti da Fonseca defendeu ontem, em palestra na Academia Brasileira de Letras (ABL), que o patrimonialismo que domina o Estado brasileiro é a principal causa da disfunção de nossa democracia e, por isso, a Operação Lava-Jato tem importância como a principal ação corretiva de uma situação que predomina desde que o Brasil foi descoberto pelos portugueses.
O painel de que ele participou, dentro do ciclo “Brasil, brasis” da ABL, tinha o título genérico de “Crise e metamorfose da democracia” e foi coordenado pela escritora e acadêmica Rosiska Darcy de Oliveira. Ao apresentar os participantes, Giannetti e o ex-presidente do Supremo Ayres Britto, Rosiska ressaltou a atualidade do tema do debate, já que a democracia estava em xeque em várias partes do mundo, devido à falta de credibilidade dos políticos e à sensação de que eles não representam os cidadãos.
Ela lembrou que nas últimas eleições pelo mundo a radicalização política foi a tônica, levando à eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e ao aumento de votação em partidos extremistas, à esquerda e à direita, em diversos países da Europa. Outro aspecto ressaltado por Rosiska é o fenômeno, disseminado pelo mundo, do voto de protesto, que se reflete no aumento dos votos brancos e nulos e o não voto, com o aumento das abstenções.
São tendências já sentidas no Brasil com o aumento gradativo dos votos brancos e nulos nas últimas eleições, inclusive a mais recente, para governador do Amazonas, quando votos brancos, nulos e abstenções registraram quase 50%.
Para Giannetti da Fonseca, o patrimonialismo brasileiro tem sua origem na formação de nosso país. Ao contrário dos Estados Unidos, país que foi organizado pelos e para os imigrantes que lá chegaram, o Brasil, segundo Giannetti, foi criado para abrigar a Coroa portuguesa, e até hoje o Estado serve aos governantes. Ele vê essa tensão entre o governo e a sociedade num ponto à beira de uma ruptura e disse que não se espantará se chegarmos num momento revolucionário desencadeado por uma fagulha qualquer, como em 2013, quando uma campanha contra o aumento do preço dos ônibus desencadeou um movimento popular que encurralou o governo Dilma.
Outro ponto de quase ruptura, na sua análise, foi a campanha de 2014, quando Marina Silva, a quem apoiava, tornou-se candidata devido à tragédia que matou o ex-governador Eduardo Campos, e quase teve condições de desbancar a polarização entre PT e PSDB, cujos candidatos afinal foram para o segundo turno.
Esse rompimento só não se deu, segundo Eduardo Giannetti, devido a uma campanha de violência inaudita contra Marina, cuja presença na disputa teria uma característica disruptiva, interrompendo uma situação política tradicional que dominava a disputa eleitoral brasileira há 23 anos.
Segundo Giannetti, a Operação Lava-Jato, por si só, não tem condições de alterar essa cultura patrimonialista, mas as eleições de 2018 têm condições para isso, caso a sociedade as utilize para forçar uma mudança de paradigma, que seria consolidada com uma reforma política.
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto, outro palestrante do painel, mostrou-se mais otimista na manutenção de nossa democracia, que, segundo ele, está em crise, mas em metamorfose, parafraseando o título geral do debate, que era “Crise e metamorfose da democracia”.
Para Ayres Britto, o ponto de inflexão foi o julgamento do mensalão, que ele presidiu no Supremo. A partir dali, teria sido aberto um caminho para concretizar a máxima de que todos são iguais perante a lei. O ex-presidente do Supremo utilizou-se da Constituição de 1988 para defender uma visão otimista do futuro do país, garantindo que é possível encontrar-se no texto constitucional a solução para todos os problemas que afligem nossa democracia.