Pensar em flexibilizar o fim do confinamento é precipitado, diante da crise que ainda enfrentaremos
O presidente Bolsonaro tem culpa de não ter lido o texto da Medida Provisória que permitia às empresas suspender por até quatro meses os contratos trabalhistas, sem necessidade de pagar o salário desse período.
Quando se deu conta do estrago que a decisão faria, com trabalhadores em casa sem o salário para sustentar a família, suspendeu a medida provisória que havia promulgado na noite de domingo e até a manhã de ontem defendia.
Mas na defesa, Bolsonaro mostrou que a ideia era outra: “Ao contrário do que espalham, (a MP) resguarda ajuda possível para os empregados. Ao invés de serem demitidos, o governo entra com ajuda nos próximos 4 meses, até a volta normal das atividades do estabelecimento, sem que exista a demissão do empregado”.
Só que não havia esse compromisso do governo no texto da medida provisória, muito menos a garantia dos empregos suspensos. A explicação oficial foi “um erro de digitação”, como justificou o ministro da Economia Paulo Guedes. Erro que também ele não notou antes do protesto de sindicatos e políticos.
Nos bastidores, há quem culpe assessores do ministro Paulo Guedes pelo “esquecimento” de incluir no texto esses compromissos do governo federal, que fazem toda diferença. Uma comédia de erros derivada de uma visão economicista da situação, misturada a um populismo rasteiro por parte do presidente Bolsonaro.
Ele ainda ontem insistia em que “a vida das pessoas está em primeiro lugar”, mas com um porém: “a dose do remédio não pode ser excessiva, de modo que o efeito colateral seja mais danoso que o próprio vírus.” Semelhante ao que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, um espelho para Bolsonaro, escreveu ontem no Twitter: “Não podemos deixar que a cura seja pior do que o problema”. Ele sugeriu que ao final dos 15 dias de isolamento social imposto, o governo pode rever essa decisão.
O presidente dos Estados Unidos, que no início da crise tinha uma posição negacionista como a de Bolsonaro, mudou radicalmente ao sentir que a crise era muito maior do que imaginava. Agora, diante da previsão de catástrofe econômica, ameaça voltar a uma posição mais economicista do que humanitária.
Nos Estados Unidos, com capacidade inigualável de injetar dinheiro na sociedade para mitigar os efeitos da crise, esse debate ainda é possível, embora muitos economistas importantes digam que não é preciso colocar a economia em oposição à defesa da vida.
Entre nós, então, com a deficiência de infraestrutura de saúde acrescida à situação precária em que vive a maioria da população, pensar em flexibilizar o fim do confinamento é precipitado, diante da crise que ainda enfrentaremos, especialmente quando o vírus chegar nas favelas das grandes cidades.
A postura leniente do presidente Bolsonaro, no entanto, tem constrangido até mesmo o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, repreendido por ter abordado o possível colapso do sistema de saúde como tema urgente neste momento. A tal ponto que o ministro, que tem recebido o apoio e o agradecimento da população por seu trabalho sério e ponderado, sentiu-se obrigado a fazer um elogio público ao comportamento do presidente da República.
Ontem, circulou na internet um vídeo do ex-ministro da Cidadania Osmar Terra, que voltou ao cargo de deputado federal, mas é candidato potencial ao ministério da Saúde, até mesmo por ser médico. Terra garante que, com exceção dos idosos e dos portadores de doenças pré-existentes, os demais cidadãos deveriam ter uma vida o mais normal possível, pois o vírus tem um ciclo de vida de 13 semanas que independe do confinamento.
Ele considerou “um absurdo” fechar lojas e shoppings, e disse que a economia vai ficar “destruída” e, com a falta de arrecadação, vai faltar dinheiro para manter o sistema de saúde eficiente. O que, ai sim, poderá provocar mortes.
Música para os ouvidos de Bolsonaro, tanto que o ministro Mandetta ontem, no Palácio do Planalto, pediu “calma e planejamento” para paralisações das atividades econômicas para coibir a disseminação do novo coronavírus. “Há lugares que pararam tanto que não tinham mecânicos para a manutenção de determinadas máquinas hospitalares, necessidades prementes que temos no dia a dia de unidades de saúde, de unidades de manutenção de água e esgoto”.