“Prevaricação, advocacia administrativa, violação de sigilo funcional, crime de responsabilidade e improbidade administrativa”. Essa é a lista de crimes e ações administrativas ilegais que o suposto auxílio da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) à defesa do senador Flavio Bolsonaro, filho do presidente da República, pode acarretar, na opinião da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Carmem Lúcia, que mandou que o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, saísse de sua inércia para investigar o caso.
Aras havia considerado “grave” a denúncia do repórter Guilherme Amado, da revista Época, confirmada por outros órgãos de imprensa, mas disse que não era possível tomar providências, pois não havia provas. Foi o que a ministra Carmem Lucia mandou que fizesse: investigar para tentar descobrir tais provas, ou demonstrar que a denúncia é inepta.
A situação é muito grave, as próprias advogadas de defesa do senador Flavio confirmaram que receberam dois relatórios sobre como atuar na tentativa de invalidar as provas conseguidas pelo Ministério Público do Rio sobre a “rachadinha” no gabinete de Flavio da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, coordenada pelo notório Fabricio Queiroz.
Elas alegam que não seguiram nenhuma das sugestões, pois estariam fora de sua capacidade de intervenção. Da mesma maneira que o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General Augusto Heleno, admitiu que participou de uma reunião no gabinete do presidente Bolsonaro no Palácio do Planalto, ao lado do diretor-geral da Abin, delegado Alexandre Ramagem, e das advogadas de Flávio Bolsonaro para tratar do assunto.
Segundo Heleno, como o assunto não dizia respeito à segurança institucional, como achava anteriormente, mandou que não se fizesse nada. O General Heleno e o delegado Ramagem, assim como as advogadas do senador Flavio, agiram como o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton, que admitiu que fumou maconha, mas garantiu que não tragou.
De acordo com a revista eletrônica Crusoé, os relatórios partiram do delegado Marcelo Bormevet, apelidado de “homem do capitão” devido à proximidade com Jair Bolsonaro desde que participou, com Ramagem, da segurança pessoal do então candidato eleito. Uma reunião com órgãos de inteligência governamental para tratar de problemas legais do filho do presidente é, no mínimo, desvio de finalidade e improbidade administrativa.
Um dos documentos, conseguido pela Época e confirmados por outras publicações, tinha um título explícito: “defender FB [Flávio Bolsonaro] no caso Alerj, demonstrando a nulidade processual resultante de acessos imotivados aos dados fiscais de FB”. A sugestão que as advogadas comentam que estava fora de seus controles se referia à substituição de “postos”, provavelmente da Receita Federal, lembrando que desde 2019 haviam sugerido esse procedimento: “Permanece o entendimento de que a melhor linha de ação para tratar o assunto FB e principalmente o interesse público é substituir os postos conforme relatório anterior.
Se a sugestão de 2019 tivesse sido adotada, nada disso estaria acontecendo, todos os envolvidos teriam sido trocados com pouca repercussão em processo interno na RFB [Receita Federal]”.
As investigações do Procurador-Geral Augusto Aras não serão difíceis. Basta que ele requisite às advogadas cópias dos relatórios que elas confirmam ter recebido. A gravidade da situação já levou a que a palavra “impeachment” volte a circular no Congresso, e deu tons mais dramáticos à sucessão da presidência da Câmara dos Deputados, que é quem dá início a um processo desse tipo. O atual presidente, Rodrigo Maia, tem mais de 30 pedidos de abertura do processo de impeachment contra o presidente, nenhum tão grave e consubstanciado quanto este, que o futuro presidente da Câmara terá certamente que avaliar.