A “bolsonarização” dos quartéis, tema de minha coluna de domingo, é considerada aspecto central da conjuntura, e um dos maiores riscos para a democracia no horizonte imediato. O ministro da Defesa do governo Temer, ex-deputado federal Raul Jungman acha que principal questão relativa às Forças Armadas “é o alheamento/alienação do poder político e elite civil das suas responsabilidades com a defesa nacional, e de liderar os militares. E que essa é uma questão nacional e democrática central”.
Raul Jungmann afirma que dialogar e liderar as Forças Armadas na definição de uma defesa nacional adequada ao Brasil é um imperativo para o país como nação soberana. “Construir essa relação, levar a sério nossa defesa e as Forças Armadas, assumir as responsabilidades que cabem ao poder político e às nossas elites é também uma questão democrática, incontornável e premente”, diz, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online do Instituto Astrogildo Pereira do Cidadania.
Jungmann lembra que, em novembro de 2016, o então presidente Michel Temer enviou ao Congresso Nacional a Política e a Estratégia Nacionais de Defesa e o Livro Branco da Defesa Nacional, que, à época, tinha coordenado na qualidade de ministro da Defesa. Dois anos depois, em 18 de dezembro de 2018, o então presidente do Senado e do Congresso, senador Eunício Oliveira, enviou à Presidência da República os textos, para sanção.
Considerando que seu governo estava praticamente findo, Temer deixou para seu sucessor a assinatura presidencial que sancionaria os referidos textos. O presidente Jair Bolsonaro, entretanto, entendeu que a Política, a Estratégia e o Livro Branco eram projetos do governo anterior, e não os sancionou.
“Resultado, até hoje vigem os textos de 2012, até que os projetos em tramitação, referentes ao quadriênio de 2020 a 2024, sejam aprovados”. Jungman foi o relator do que hoje é a Lei Complementar 136, que no seu bojo trazia uma novidade histórica. “Pela primeira vez, o Congresso Nacional passaria a apreciar e, portanto, a ter o controle das diretrizes, objetivos e rumos da defesa nacional – algo que não consta da nossa Constituição Federal”, explica.
Ao negociar as emendas à proposta original com o ministro Nélson Jobim, analisa Jungman, imaginava-se o potencial que teria a análise das mais elevadas decisões quanto a nossa defesa e segurança por parte do parlamento e o diálogo histórico que se travaria entre o poder político e os militares, num claro avanço democrático. “Em vão”, diz o ex-ministro. Ao longo de dois anos de tramitação, os textos de 2016 não foram objeto de nenhuma audiência pública. “Seu parecer, emitido pela Comissão Mista de Inteligência, e não pelas Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional das duas casas do Congresso, era, claramente, uma colagem das propostas, sem críticas ou aprimoramentos dignos de nota”, acentua.
Segundo Adriano de Freixo, professor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense, num estudo sobre os militares e o governo Bolsonaro que já abordei domingo, os problemas atuais remetem “à dificuldade das Forças Armadas para lidar com o controle civil sobre elas, representado simbolicamente por um Ministério da Defesa cujo titular não pode ser um militar da ativa e que até o governo de Michel Temer, desde a sua criação, vinha sendo exercido por civis”.Para ele, Bolsonaro tem se aproveitado de três situações:O revigoramento da ideologia anticomunista – bastante presente nas Forças Armadas desde o século passado –, com nova roupagem e em perspectiva ampliada, entre parte expressiva dos militares, de forma concomitante com outros setores da sociedade.
O desejo, implícito ou explícito, dos militares de retomar o protagonismo e o “prestígio” perdidos – relacionando-se este último à ideia de que o estamento militar deveria receber da sociedade maior reconhecimento e, como consequência, tra- tamento diferenciado – em um momento de crise da democracia formal e da representação política no Brasil e no mundo.
Como desdobramento do item anterior, uma série de insatisfações ou demandas corporativas, que vão do desejo de manter ou ampliar privilégios, até o descontentamento com os trabalhos da Comissão da Verdade, passando por questões bastante específicas, como a possibilidade de mudanças nas instituições militares de ensino.