“O pênalti é tão importante que deveria ser batido pelo presidente do clube”. A frase famosa, atribuída ao treinador de futebol de praia no Rio e filósofo do futebol Neném Prancha, ganha dimensão nessa Copa da Rússia, que passou a ser a que mais teve pênaltis de todas já realizadas. Foram marcados 24 pênaltis nos 48 jogos disputados na primeira fase, a de grupos. Nos Mundiais comparáveis, com 32 seleções a partir de 1998, o número máximo de penaltis foi de 18 nos 48 jogos realizados, como em 1998 e 2002.
Dessas 24 “penalidades máximas” marcadas, cerca de 30%, ou sete, foram definidas pelo VAR, o chamado juiz de vídeo que estreou oficialmente para o futebol aqui na Rússia. Penalidade máxima, por sinal, é o título de um belo poema de Armando Freitas Filho que trata do assassinato de Eliza Samudio pelo então goleiro do Flamengo Bruno.
Já houve quem comparasse a cobrança do pênalti a um fuzilamento, um ato de covardia, como fez Pelé, que teria dito certa vez que o pênalti é uma maneira covarde de fazer o gol. Logo ele, que fez seu milésimo gol de pênalti.
O poeta e escritor português Joel Neto, ao contrário, acha que o penalti “é coragem, mais até do que habilidade – e é nos penaltis que o futebol se aproxima em definitivo da vida”. A eterna discussão sobre se foi ou não penalti, que persiste mesmo com a existência do VAR, já foi musicada pelo grupo de rock Skank, que pergunta “Cadê o pênalti Pra gente no 1o tempo?”.
O livro “O medo do goleiro diante do pênalti”, de Peter Handke, usa o sentimento de desamparo do goleiro nessa ocasião para análises filosóficas sobre as incertezas da vida, pois, para ele o futebol é, “como tudo que é redondo, um símbolo do incerto”.
O grande goleiro Sepp Maier, do Bayern de Munique e da seleção alemã, acha que “o medo do jogador que vai chutar o pênalti, isto sim seria digno de um romance”.
Com a chegada da fase do mata-mata na Copa do Mundo, mais uma vez a decisão das partidas pode ir para os pênaltis, e a pressão psicológica em jogadores e torcedores chega ao limite. Na fase das oitavas de final, nada menos que 37,5% das classificações foram decididas nos pênaltis: Rússia desclassificou a Espanha; Inglaterra tirou a Colômbia.
importância, e a busca do chamado “pênalti perfeito”, já foi objeto de vários estudos científicos, aqui e no exterior. “O sucesso nos pênaltis é algo que as equipes podem melhorar”, diz o pesquisador Ken Bray, da Universidade de Bath, coordenador de um grupo de pesquisadores que estudou cobranças de pênalti e fez uma abordagem científica do tema.
De acordo com o estudo, há três pontos que devem ser considerados para um “pênalti perfeito”, como escolher na ordem inversa, deixando para o final os batedores mais experientes. O estudo constatou que os goleiros têm uma limitação de alcance da bola em cobranças próximas como os pênaltis, além do que há uma “zona indefensável” que pode ser identificada pelas análises técnicas dos times e das seleções. A preparação mental dos jogadores é tão importante quanto as duas primeiras.
Pesquisa realizada pelo Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP mostrou que, em ocasiões como cobrança de pênaltis, o estresse afeta necessariamente a resposta motora. Nelson Toshyuki Miyamoto, em sua tese de doutorado defendida no ICB, simulou em computador aspectos das cobranças de pênalti. O resultado de aproveitamento caiu para 80% no máximo quando os assistentes da pesquisa simulavam as situações sob pressão de uma torcida.
As partidas do mata-mata têm ainda um componente dramático nada desprezível: a partir de certo momento, nenhum dos times pode levar um gol, embora nesta Copa os gols nos acréscimos tenham sido uma tônica. Isso explica a opção pelos penaltis, uma última chance para que a glória sorria. Como sabem Brasil e Itália. Uma coincidência a mais para dar valor aos penaltis: a Itália, que perdeu a Copa nos pênaltis para o Brasil em 1994, ganhou nos pênaltis da França em 2006.