Merval Pereira: A esquerda desunida

A propalada reunião entre o ex-presidente Lula e o líder do PDT Ciro Gomes, depois de trocas de acusações que se intensificaram a partir de 2018, quando Ciro disputou a eleição presidencial e não foi para o segundo turno, superado pelo candidato petista Fernando Haddad, poderia ser uma boa notícia para a esquerda brasileira caso não tivesse sido atropelada por ninguém menos que a presidente do PT, Gleisi Hoffman. Que não tem luz própria, e não faria isso sem o consentimento de Lula.
Foto: Agência PT
Foto: Agência PT

A propalada reunião entre o ex-presidente Lula e o líder do PDT Ciro Gomes, depois de trocas de acusações que se intensificaram a partir de 2018, quando Ciro disputou a eleição presidencial e não foi para o segundo turno, superado pelo candidato petista Fernando Haddad, poderia ser uma boa notícia para a esquerda brasileira caso não tivesse sido atropelada por ninguém menos que a presidente do PT, Gleisi Hoffman. Que não tem luz própria, e não faria isso sem o consentimento de Lula.

Gleisi disse que qualquer acordo depende de um pedido público de desculpas de Ciro a Lula, e ao partido que dirige. O que parecia um encaminhamento de acerto com vistas a uma candidatura de esquerda que pudesse fazer frente ao presidente Bolsonaro, acabou sendo mais do mesmo, com o PT querendo se impor como protagonista da esquerda, o que impediu uma união em 2018.

Naquela ocasião, o ex-presidente Lula insistiu na sua candidatura, mesmo estando impedido pela Lei da Ficha Limpa por ter sido condenado em segunda instância, e se recusou a fazer um acordo com Ciro, que era o candidato da esquerda mais bem posicionado. A suposta traição política do ex-presidente Lula a Ciro Gomes na campanha presidencial de 2018, que o pedetista sempre denunciou, transformou-se recentemente em uma disputa de narrativas que não chegou a lugar nenhum.

Ciro Gomes jantou com Haddad, a convite deste, na casa de Gabriel Chalita, que havia sido secretário de educação na gestão de Fernando Haddad na Prefeitura de São Paulo. Nesse encontro, como já relatado aqui anteriormente, Ciro conta que partiu de Haddad a proposta para que fizessem uma chapa comum. Esclarecendo que não estava falando em nome do Lula, mas de modo próprio, Haddad perguntou a Ciro o que achava de uma chapa em que o PT indicasse o vice.

Dias depois, partiu do economista Bresser Pereira a proposta para que Ciro se encontrasse com Delfim Netto, “uma pessoa que o Lula ouvia muito”. No escritório do Delfim, para minha surpresa, disse Ciro, em vez de entrarmos no programa de governo, a conversa foi direto para a política. Delfim perguntou se eu estava disponível, lembraram que o Fernando Henrique havia escrito um livro (“Crise e reinvenção da política no Brasil”) defendendo uma frente progressista ampla de centro-esquerda, que nós estávamos falando a mesma coisa.

No relato de Ciro, o ex-ministro Delfim Netto lançou na mesa “o nome do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa para ser o vice, e eu disse que o Haddad estava pronto para ser o meu vice”. Haddad confirmou, disse que queria ajudar, e que poderia formar a chapa comigo.

O ex-prefeito de São Paulo negou enfaticamente no dia seguinte, e manteve-se como vice de uma hipotética chapa com Lula para presidente. Durante a campanha presidencial, num debate do primeiro turno, Haddad chegou a dizer que fora Ciro quem o convidara para ser seu vice, no que chamou de chapa “dream team”, como teria classificado na época.

Para confirmar sua versão, Ciro conta que houve um momento em que a ex-presidente Dilma Rousseff levou a Mangabeira Unger e a Cid, seu irmão, uma proposta de Lula “para que eu ficasse no lugar do Haddad como vice dele. Não tiveram coragem de oferecer diretamente a mim, porque sabiam que não aceitaria. Seria um presidente anão, que não teria autoridade para fazer nada”.

O ex-prefeito Fernando Haddad confirma os encontros e as conversas, mas diz que houve um mal entendido por parte de Ciro, e que elas eram apenas prospectivas, sem compromissos a serem “traídos”. Como se vê, Ciro Gomes e Lula estão certos em selar a paz, porque a esquerda precisa se unir em torno de temas, e não ficar se digladiando. Sem a união do centro nem da esquerda, o caminho fica facilitado para a direita, que tem em Bolsonaro um candidato forte até o momento.

Mas, diante da reação corporativa de Gleisi Hoffman, tudo indica que a eventual aliança não resultará, pois não acredito que Lula imagine o PT sendo vice de Ciro Gomes. Não é uma tradição do partido aceitar esse tipo de cooperação. O grande erro de Lula em 2018 foi não ter apoiado Ciro, talvez viabilizando uma aliança de centro-esquerda. Mas o PT não dá sombra pra ninguém, Lula não permite que nenhuma liderança cresça do lado dele.

A única chance de haver entendimento para 2022 é Lula continuar inelegível e o PT resolver apoiar Ciro. Chance remotíssima.

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