Merval Pereira: A batucada na praça Pushkin

Se não é estranho, depois da vitória da seleção brasileira, ouvir uma batucada à meia-noite na praça que homenageia o poeta Aleksandr Pushkin, e muito menos na Praça Vermelha, onde os torcedores de todo o mundo se reúnem após cada jogo, tampouco é banal ver duas moças andando a cavalo à mesma hora pelas ruas de Moscou, tranquilamente esperando o sinal abrir.
Foto: Lucas Figueiredo/CBF
Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Se não é estranho, depois da vitória da seleção brasileira, ouvir uma batucada à meia-noite na praça que homenageia o poeta Aleksandr Pushkin, e muito menos na Praça Vermelha, onde os torcedores de todo o mundo se reúnem após cada jogo, tampouco é banal ver duas moças andando a cavalo à mesma hora pelas ruas de Moscou, tranquilamente esperando o sinal abrir.

Esta cidade cosmopolita — onde tudo pode acontecer sem chamar a atenção, como nas grandes cidades do mundo — convive perfeitamente com uma festa grandiosa como a Copa do Mundo sem perturbar a rotina excêntrica das amazonas russas com que cruzei no caminho de volta do estádio Spartak, num metrô superlotado, mas funcionando impecavelmente, com entrada livre para os torcedores.

Tudo em Moscou funciona perfeitamente, com exceção dos táxis que se pegam na rua. Mas se o turista pedir um táxi por um dos muitos aplicativos tipo Uber, tudo sai a contento. Se politicamente a Rússia é hoje mais oriental que ocidental, como avalia o especialista Dmitry Trenin, diretor do Carnegie Moscow Center, Moscou e as grandes cidades, como São Petersburgo, são tão ocidentais quanto poderiam ser.

Para Trenin, a nova confrontação da Rússia com as grandes potências nada tem a ver com a guerra fria. Seria uma “guerra híbrida”, não ideológica, nem geográfica. Tanto que a proximidade com a China, de quem Trenin diz que os russos nunca serão amigos próximos, mas jamais serão inimigos, não impede que as relações com os EUA sejam importantes, como demonstra a próxima cúpula entre os dois países.

A Copa do Mundo tem seu sabor político para Putin, e ele e a Fifa devem estar dando graças pelo Brasil ter passado para as oitavas de final, depois da desclassificação da Alemanha. A seleção brasileira não é ainda a dos sonhos dos torcedores, mas já evoca a música ufanista que diz que “o campeão voltou”. E os torcedores brasileiros, fora aquela minoria que já foi repudiada, chamam a atenção pela alegria.

Vários russos com quem conversei têm o desejo de ver uma final entre Brasil e Rússia. O problema é que a seleção brasileira ainda está em evolução, e a Rússia pega logo de cara a Espanha nas oitavas. Vamos ver na próxima estação, na cidade de Samara, se o Brasil justifica o favoritismo.

Simbolismo não falta para que a seleção alcance o infinito. Às margens do rio Volga, Samara é o mais importante centro aeroespacial da Rússia, foi fechada a estrangeiros durante a Segunda Guerra para que seus segredos não fossem revelados e transformou-se na capital soviética alternativa, quando Moscou foi invadida pelos alemães.

A administração do Kremlin transferiu-se para Samara, e hoje uma de suas atrações é o bunker usado por Stálin na Grande Guerra Patriótica, como os russos se referem à Segunda Guerra. Um dos principais centros científicos internacionais, Samara é também um grande centro industrial, com a principal fábrica da empresa russa de automóveis, a Lada. Nela está um monumento ao astronauta Yuri Gagarin, primeiro a viajar pelo espaço no foguete Soyuz em 1961.

O Museu Cósmico e a Universidade Aeroespacial contam a história russa no espaço. A partir da Copa, Samara será também conhecida como uma das mais extravagantes decisões politicas do governo Putin, pois o novo estádio, palco do jogo do Brasil contra o México, em nada se justifica, a não ser para fosse uma das sedes do Mundial. O FC Krylia, da segunda divisão, o time da cidade, de 1,1 milhão de habitantes, definitivamente não tem torcida para enchê-lo.

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