Ao se radicalizar, presidente comprometeu capital eleitoral segundo o Datafolha
Não é de hoje que o Datafolha alerta para a necessidade de Jair Bolsonaro (PSL) adequar-se ao cargo de presidente da República, caso queira melhorar sua imagem junto aos brasileiros.
Desde a primeira pesquisa de avaliação, realizada em abril deste ano, o comportamento do ex-deputado à frente da Presidência tem figurado nas análises estatísticas como variável determinante no posicionamento da opinião pública sobre seu governo.
Os resultados divulgados agora pela Folha mostram que, ao intensificar essa característica nos últimos meses, Bolsonaro comprometeu parcela simbólica de seu capital eleitoral.
Mesmo com o peso quantitativo de sua crescente impopularidade entre mulheres, entre os que têm menor renda e baixa escolaridade, moradores do Nordeste, talvez incomode mais o pesselista ver sua reprovação subir também entre homens, moradores do Sul e entre os que têm altas renda e escolaridade —perfis que o elegeram com expressivas taxas de apoio.
A prova do diagnóstico está no contingente de arrependidos —um em cada quatro dos que votaram no capitão reformado não repetiria a opção caso o pleito fosse hoje, garantindo a Fernando Haddad (PT) uma liderança apertada, mas fora dos limites da margem de erro.
Os mais arrependidos são os que têm entre 45 a 59 anos, faixa especialmente atingida pela reforma da Previdência.
A verborragia presidencial é abominada pela grande maioria da população e alcança quase 90% de reprovação quando se vale, por exemplo, de conteúdo escatológico.
Marcadores de preconceito e nepotismo, como nos casos das frases sobre os “governadores da Paraíba (Nordeste)” e da indicação do filho para embaixada brasileira nos EUA, alcançam o patamar de 70% de rejeição, tendência potencializada entre os mais escolarizados e mais jovens.
Mas Bolsonaro é afetado também pela polêmica envolvendo as recentes queimadas na Amazônia. O que ficava restrito ao plano da gestão pública, com domínio limitado pelo baixo alcance do tema —meio ambiente— espraiou-se por quase todos os segmentos sociais do país.
Da desqualificação do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) pelo governo, passando pelos registros da Nasa sobre o desmatamento, até o escurecimento do céu na tarde de 19 de agosto na cidade de São Paulo, gatilhos não faltaram para que diferentes setores da sociedade despertassem para o problema.
Em consequência, a resposta do governo à inquietação foi reprovada pela maioria absoluta dos entrevistados. Há percepção predominante na opinião pública de que tanto as queimadas quanto as reações passionais de Bolsonaro contra outros líderes mundiais prejudicam investimentos estrangeiros no país.
A maioria tomou conhecimento das discussões entre o presidente do Brasil e o da França, Emmanuel Macron, sobre o desmatamento da Amazônia e pior —a maior parte dos brasileiros vê o francês mais preocupado e equilibrado no debate sobre o tema.
Não à toa, o meio ambiente é, neste momento, uma das mais reprovadas do governo Bolsonaro, empatada com a educação. Em um ranking com 18 setores, ela só não é pior do que as políticas de combates ao desemprego, à miséria e as relativas à saúde.
Aliás, comparando-se os resultados atuais com os obtidos por presidentes anteriores como Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Lula e Dilma (PT), independentemente do período em que as pesquisas foram realizadas, percebe-se os pontos fortes e fracos da administração atual.
As reprovações às políticas públicas de Bolsonaro são maiores do que as avaliações negativas de antecessores em 16 das 18 áreas pesquisadas.
Em questões como combate à miséria, ao desemprego e defesa do meio ambiente, o desempenho negativo de Bolsonaro supera o de seus antecessores com escores próximos a 40 pontos percentuais. Na educação, esse contraste bate 30 pontos se confrontado com Lula depois de 10 meses do primeiro mandato.
As diferenças também são expressivamente negativas para Bolsonaro nas políticas culturais, nas relações exteriores, no setor de comunicações e na reforma agrária.
Em 2 dos 18 aspectos estudados, no entanto, a opinião pública confere melhor avaliação ao pesselista do que o fazia sobre os ex-presidentes —no combate à corrupção e na área de segurança pública.
Esse recall de temas da campanha eleitoral tem apelo popular, mas pode ofuscar eventuais conquistas na área econômica, gerando ruídos importantes principalmente em momento negativo para o ministro da Justiça, Sergio Moro.
A persistência no tom belicoso tende a desidratar a popularidade de Bolsonaro a níveis próximos de seu núcleo fiel: entre os 10% que o consideram um presidente ótimo e os 14% de bolsonaristas heavy, isto é, eleitores identificados pelo Datafolha que concordam com a maioria das pautas da agenda presidencial.
A estratégia contém o risco de reduzir ainda mais sua pregação apenas para convertidos, acentuando o que já ocorre nas redes sociais.
*Mauro Paulino
Diretor-geral do Datafolha
*Alessandro Janoni
Diretor de Pesquisas do Datafolha