As semelhanças entre o lulismo e o bolsonarismo são gritantes e incômodas para qualquer cidadão essencialmente democrata e isento do fanatismo doentio que se instalou à direita e à esquerda. O que se observa de fora dessa polarização – por uma minoria imune às paixões cegas, minimamente racional e consciente – é a total indigência política, intelectual e moral instituída por esses dois movimentos interdependentes que vivem cada qual em sua bolha ideologizada e idiotizada, mas ambos com os mesmíssimos vícios, radicalismos, ódios, preconceitos e intolerâncias.
As duas bolhas vivenciam suas realidades paralelas e espelhadas, as duas atreladas a falsos mito que, o tempo revela, mostram-se verdadeiros mitômanos. Lula e Bolsonaro são as duas faces da mesma moeda desvalorizada da velha política, mas que insiste em monopolizar o mercado do voto. Como um deles já declarou, embora os dois ajam e pensem de forma idêntica e necessária para manter unidas as suas hordas de fanáticos e milicianos virtuais: “Eu não sou um ser humano, sou uma ideia”. Verdade. Duas ideias de jerico.
Pausa para respirar e refletir, com a convicção de que não sou dono da verdade. Ao contrário, faço parte de uma minoria que se propõe em vão – até quando? – a fugir dessa polarização. Assim, feita a abertura desse texto provocativo à maioria dos brasileiros, tendo em vista o resultado das eleições mais recentes que me provam que sou uma voz quase isolada e inexpressiva ante a maioria de bolsonaristas e lulistas, seguirei – se me permitirem – no meu raciocínio anti-Lula e anti-Bolsonaro.
Um minutinho para a palavra do Excelentíssimo Sr. Presidente da República:
1. Diante das ameaças à soberania nacional, da precariedade avassaladora da segurança pública, do desrespeito aos mais velhos e do desalento dos mais jovens; diante do impasse econômico, social e moral do país, a sociedade brasileira escolheu mudar e começou, ela mesma, a promover a mudança necessária. Foi para isso que o povo brasileiro me elegeu Presidente da República: para mudar.
2. Durante a campanha não fizemos nenhuma promessa absurda. O que nós dizíamos, eu vou repetir agora, é que nós iremos recuperar a dignidade do povo brasileiro. Recuperar a sua auto-estima e gastar cada centavo que tivermos que gastar na perspectiva de melhorar as condições de vida de mulheres, homens e crianças que necessitam do Estado brasileiro.
3. Para repor o Brasil no caminho do crescimento, que gere os postos de trabalho tão necessários, carecemos de um autêntico pacto social pelas mudança e de uma aliança que entrelace objetivamente o trabalho e o capital produtivo, geradores da riqueza fundamental da nação, de modo a que o Brasil supere a estagnação atual e para que o país volte a navegar no mar aberto do desenvolvimento econômico e social.
4. O pacto social será, igualmente, decisivo para viabilizar as reformas que a sociedade brasileira reclama e que eu me comprometi a fazer: a reforma da Previdência, reforma tributária, reforma política e da legislação trabalhista, além da própria reforma agrária. Esse conjunto de reformas vai impulsionar um novo ciclo do desenvolvimento nacional.
5. Meus agradecimentos à imprensa, que tanto perturbou a minha tranquilidade nessa campanha, sem a qual a gente não consolidaria a democracia no país. Meu abraço aos deputados, aos senadores, meu abraço aos convidados estrangeiros, dizendo a vocês que, com muita humildade, eu não vacilarei em pedir a cada um de vocês, me ajudem a governar, porque a responsabilidade não é apenas minha, é nossa, do povo brasileiro que me colocou aqui.”
Uma perguntinha: você é capaz de identificar o autor desses trechos tirados de discursos presidenciais e reproduzidos acima? Quer fazer uma aposta? O que, na sua opinião, parece ter sido pronunciado por Bolsonaro? Algo tem a cara da Dilma? Ou um toque de Temer? Pode existir algum trecho do Lula? Você arrisca? Talvez tirando o último trecho, com um improvável elogio à imprensa, você diria que o presidente Jair Bolsonaro pode ter pensado tudo isso que aí está? Mas você concorda com o conteúdo?
Pois saiba que todos esses são trechos dos discursos de posse de Lula como Presidente da República em 2003, parte proferida no Palácio do Planalto, outra parte no Congresso Nacional. E lá se vão 16 anos. Depois disso já tivemos a reeleição de Lula em 2006; a eleição e reeleição de Dilma em 2010 e 2014; a posse de Temer após o impeachment em 2016; a eleição de Bolsonaro em 2018 e a sua posse em 2019… e tudo continua irritantemente atual.
Poderia pinçar falas de Dilma e de Temer, ou as promessas de Bolsonaro, ou como cada um dizia que mudaria a política, inovaria na forma de governar e não repetiria os mesmos vícios dos antecessores. Como Lula e Bolsonaro se comprometeram a fazer as reformas. Como Lula e Bolsonaro juraram combater a corrupção, o toma lá dá cá e o fisiologismo partidário. E como PMDB, PT e agora o PSL se tornaram, respectivamente, os maiores partidos brasileiros.
Ainda que em lados distintos, tudo é sempre muito igual. Todos parecem farinha do mesmo saco. A demagogia, a incoerência e a hipocrisia imperam! Do surgimento do PMDB com a chamada Nova República até a fabricação do salvador da Pátria da vez, este que no momento (des)governa o Brasil pelo twitter, um meme que virou presidente, ouvimos as mesmas palavras repetidas. Parodiando a canção da Legião Urbana, “mas quais são as palavras que nunca são ditas?”.
Ouvimos Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula, Dilma, Temer, Bolsonaro. Palavras… Mas o fato concreto é que um ciclo se encerra, iniciado no festejado ponto final dos 21 anos de ditadura e, feito um círculo vicioso, retrocedendo cinco décadas para uma possível (Deus nos livre!) interrupção desta nossa jovem democracia com a retomada do poder pelos saudosos daquela decrépita ditadura. O perigo é iminente. Só não vê quem não quer.
O problema é que o fracasso da esquerda democrática no imaginário popular – muito em razão da frustração com a falsa esperança que nos deram Lula e Dilma e que acabaram nos levando para o buraco – ressuscitou tudo aquilo que parecia enterrado nesses 35 anos de reabertura democrática, de consolidação do estado de direito e do amadurecimento dos princípios republicanos. Enfim, o que nos parecia um círculo virtuoso desmoronou nas nossas cabeças. Mas a saída para o novo não virá pelos extremos. O choque de realidade exige uma resposta equilibrada, sensata, coerente. Temos alguma?
Para concluir, mais palavras tiradas do discurso de um líder político: “A verdade não tem valor enquanto houver a ausência da vontade indomável de transformar essa percepção em ação!”. Dica: quem disse isso foi um verdadeiro calhorda, ser repugnante, asqueroso. Lula? Bolsonaro? Não! Adolf Hitler. Resumindo: Falar, até papagaio fala. Não precisamos apenas de palavras, necessitamos de ações. À direita e à esquerda temos muita demagogia, hipocrisia, mitomania. Então, olhos abertos, ouvidos atentos e, vacinados contra esses canalhas de duas caras, sigamos em frente!