Dentro da normalidade democrática, a alternância de poder é salutar. Um aditivo republicano que evita que os políticos se perpetuem nos cargos, com os mesmos vícios, e garante a soberania exercida pelo povo.
Portanto, eleito Jair Bolsonaro pela vontade da maioria do eleitorado brasileiro, dentro das regras da democracia, resta a quem não votou nele nem acredita neste “novo” presidente, como é o meu caso, ser oposição em todos os 1.461 dias do seu governo.
Essa é, inclusive, uma garantia para a manutenção das nossas conquistas e para o bom funcionamento das nossas instituições. Que sigamos vigilantes e mobilizados na luta contra qualquer retrocesso.
Porém, aqui entra um detalhe importante que nos diferencia do tradicional oposicionismo petista, patenteado desde os anos 80: o Brasil precisa de uma oposição responsável, não meramente ideológica ou recomendada pelo marketing estratégico e eleitoreiro de ser “do contra”. Sistemático deve ser o papel fiscalizador da oposição, jamais o “quanto pior, melhor”, o ódio, o revanchismo ou a intransigência.
Para levantar uma situação objetiva, concreta: se houver o encaminhamento correto das reformas estruturais tão necessárias para reorganizar o modelo de gestão do país, entre outras urgências, é preciso debater com seriedade, fazer os ajustes cabíveis e também ajudar a aprová-las. Ou não?
A fiscalização ao governo deve ser diária, permanente, minuciosa e disciplinada, para que os arroubos totalitários demonstrados durante a campanha não tenham sido nada além de bravatas e peças de retórica. Para que nenhum abuso seja cometido. Para que nenhum direito seja suprimido. Para que nada que não esteja previsto constitucionalmente seja imposto, sob qualquer pretexto, sem o devido amparo do estado democrático de direito.
O fato é que só agora vamos saber de verdade quem é o presidente Bolsonaro, pois conhecemos apenas o candidato de um partido fictício (que nesta eleição se tornou o segundo maior do Brasil) e teve limitada a sua presença em raros debates no 1º turno, com pouquíssimo tempo de propaganda oficial e mobilidade cerceada desde o dia 6 de setembro pelo atentado cometido contra ele. O fenômeno, o mito, vai ter que descer do pedestal, arregaçar as mangas e botar os pés no chão.
Chegou a hora, afinal, de descobrir o que tem a oferecer aquele seu tão propalado “posto Ipiranga” para a economia e o desenvolvimento do Brasil. O que ele pretende para a Reforma da Previdência, por exemplo? E para a Educação? Vai continuar com essa bobagem de fundir a Agricultura com o Meio Ambiente, sem entender que muitas vezes terá que mediar interesses antagônicos do agronegócio e da sustentabilidade? Como enfrentará o que chama indevidamente de “coitadismo” de negros, gays, mulheres e índios? Teremos ativistas perseguidos? Liberdades ameaçadas? Minorias desassistidas?
Como o presidente vai se portar diante das exigências formais do cargo? Respeitará a independência e a harmonia dos poderes? Como será a relação com esse Congresso sabidamente conservador, fragmentado e fisiológico? Que tipo de reação terá com uma oposição que se anuncia ruidosa e rigorosa? Como vai se desenrolar a Operação Lava Jato e outras investigações do tipo contra a corrupção envolvendo políticos e partidos, muitos dos quais também vão estar na sua base de sustentação?
Outra coisa importante, que descobriremos com o tempo, é como o governo vai reagir quando essa onda bolsonarista baixar – o que é natural – e o presidente deixar de surfar nesses índices gigantescos e fenomenais de popularidade. Os problemas corriqueiros do dia a dia, as frustrações, a burocracia para ver implantadas as suas ideias. Até que ponto irá a paciência da população que buscou eleger um salvador da Pátria? Cadê as soluções mágicas para a insegurança e o desemprego? Por que segue aumentando a conta de luz, a passagem do ônibus e o preço do feijão no supermercado?
Então é isso, presidente. Parabéns pela sua eleição, mas saiba que a partir de 1º de janeiro de 2019 acaba a festa e começa a cobrança e o trabalho duro. Conte comigo… na oposição! Sempre! Não pretendo dar um dia de trégua na fiscalização. Mas não vou torcer pelo seu insucesso, ao contrário. O Brasil não merece outro governo interrompido pela incompetência, pela irresponsabilidade, pela mediocridade ou pela falta de caráter de seus mandatários.
Vamos testar na prática a sua conhecida truculência. Que tenha ficado para trás, pelo bem de todos. Falo por mim, neste artigo assinado, mas sei que posso estar representando o pensamento de muitos, que por ora se recompõem em partidos reformulados e nos movimentos cívicos, nas redes e nas ruas. Nosso reencontro está marcado para 2022, nas urnas, democraticamente. E que Deus nos proteja dos fantasmas do passado que rondaram a sua eleição e insistem em nos assombrar.
*Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS-SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do Blog do PPS e apresentador do #ProgramaDiferente