Presidente eleito prometeu uma guinada em prol de Israel desde o início da campanha
Jair Bolsonaro está prestes a cometer equívoco do qual pode se arrepender com amargura: colar sua imagem ao “Lula do Oriente Médio”.
Pela terceira vez consecutiva, a polícia de Israel denunciou Binyamin Netanyahu por recebimento de propina, fraude e quebra de decoro.
O esquema envolve conglomerados de mídia e indústria de defesa, sua própria esposa, parentes e assessores.
Assim como Lula, Netanyahu se apresenta como vítima de uma conspiração das “elites” incapazes de derrotá-lo pelo voto. Acusa também os investigadores de vazarem informações sensíveis à imprensa.
Como uma parcela do eleitorado acredita cegamente em suas palavras, Netanyahu pode até vencer as próximas eleições, mas seu nome está definitivamente maculado.
Sua perspectiva de poder também. Chefes militares israelenses começaram a criticá-lo, e deputados de sua base iniciaram o desembarque da aliança.
Esse revés cria um problema para Bolsonaro.
O presidente eleito prometeu uma guinada em prol de Israel desde o início da campanha, visitando o país com os filhos e defendendo a transferência da embaixada brasileira para Jerusalém.
No entanto, Bolsonaro e sua equipe passaram a perceber o tamanho da conta a pagar, caso o Brasil abandone a postura de equilíbrio na questão Israel-Palestina, que é marca registrada da política externa pelo menos desde o governo do general Costa e Silva.
O primeiro custo seria diplomático: isolamento. Apenas os EUA e a Guatemala têm embaixadas em Jerusalém. O Paraguai tentou, mas foi forçado a recuar. O Brasil faria seu movimento por romantismo, a troco de nada. É o pesadelo de qualquer especialista em geopolítica.
O segundo custo seria material: há superávit de quase US$ 8 bilhões com o mundo árabe, em produtos de defesa e proteína animal.
Haveria, ainda, um custo político para Bolsonaro, na forma de articulação entre a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira e as grandes multinacionais verde-amarelas com presença no Oriente Médio. De quebra, o custo humano: como disse o comandante da Força-Tarefa da ONU no Líbano, a eventual transferência da embaixada pode tornar tropas brasileiras alvo de terrorismo.
Agora, o custo da guinada acaba de ficar ainda mais alto.
Afinal, o que dá lastro ao alinhamento entre Bolsonaro e Netanyahu é a promessa de vultosos negócios nas áreas militar e de segurança cibernética. O governo brasileiro tem muito a ganhar cooperando com Israel em segurança das fronteiras e combate ao crime organizado e ao narcotráfico.
Só que Netanyahu acumula as pastas de Defesa e Relações Exteriores. A devassa da polícia promete respingar para tudo quanto é canto. Inclusive no exterior.
*Matias Spektor é professor de relações internacionais na FGV.