É necessário sempre lembrar o que causou, para combatê-la dentro da sociedade, avalia Mario Giro
IHU Online
“Destas poucas observações emergem duas coisas: a primeira é que a mentalidade fascista nunca morre e por isso é necessário sempre lembrar o que causou, para combatê-la dentro da sociedade. A segunda é que essa mentalidade pode facilmente se fundir com outras formas de rebelião e ressentimento social, como os No-vax,”, escreve Mario Giro, vice-ministro do Exterior italiano, em artigo publicado por Domani, 16-10-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Perguntemo-nos seriamente: existe o risco de voltar o fascismo? Muitos comentaristas respondem que não, assim como parte dos líderes políticos. A resposta deles se baseia em uma análise plana da atualidade, sem perspectiva histórica e sem conhecer o poder das ideologias na história.
O fascismo do passado
É óbvio que não existe o risco de um retorno ao fascismo que foi: flâmulas, hinos, marchas e camisas pretas. Na Itália, o regime fascista caiu em 25 de julho de 1943. A turma republicana (apesar da percepção de quem participou dela) foi muito diferente: não era mais o fascismo italiano, mas uma facção sujeita ao nazismo alemão (como para outros movimentos em Europa), ou seja, a corrente itálica do regime germânico.
O neofascismo
Depois da guerra na Itália, o neofascismo renasceu, diferente do regime fascista dos anos 20, com uma marca subversiva e contra o estado. Essa forma neofascista ainda hoje existe e, embora seja considerada ilegal e ilegítima pela Constituição, é tolerada há décadas.
Fascismo Eterno
Para entender o que realmente é a essência fascista, basta reler o Fascismo Eterno de Umberto Eco.
Uma “colagem” desordenada e grosseira de várias ideias políticas, uma “colmeia de contradições”, o fascismo eterno é “um exemplo de distorção política e ideológica”.
Não é por acaso que hoje o protesto do universo No-vax e No-green pass anda, em si distante da prática do fascismo, regime que preferia um estado centralizador em política sanitária, de recuperação e convictamente favorável à vacinação. Em seu progresso desordenado na sociedade, o neofascismo atual pisca os olhos para tudo o que é subversivo, como os movimentos anticapitalistas radicais por exemplo, que não fazem parte de seu background exceto na prática rebelde dos inícios.
Segundo Eco, o fascismo eterno tem características constantes como o irracionalismo em que a cultura é suspeita e também a ciência; ou a obsessão pela conspiração ou o desprezo pelos fracos.
Muitas reações ou posições desse neofascismo destorcido surgem da frustração individual ou social que se transforma em raiva, sempre de acordo com Eco.
Um pensamento eterno
Destas poucas observações emergem duas coisas: a primeira é que a mentalidade fascista nunca morre e por isso é necessário sempre lembrar o que causou, para combatê-la dentro da sociedade.
A segunda é que essa mentalidade pode facilmente se fundir com outras formas de rebelião e ressentimento social, como os No-vax.
Quem não vê esse risco não sabe ler a nossa sociedade e os perigos que a ameaçam. A recusa em ver nos fatos de Roma a matriz fascista já representa em si uma emergência constitucional.
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