Subserviente a Trump, o Brasil não dá contribuição positiva à crise da Venezuela
Antes que o patético discurso do presidente na ONU lhe roubasse a cena, o chanceler Ernesto Araújo serviu de escada para que, na sexta (18), o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, em visita a Roraima, despejasse pesados ataques contra o governo ditatorial da Venezuela. Em Washington, todos sabem que suas palavras tinham como verdadeiros destinatários os eleitores do sul da Flórida, onde se concentram comunidades de exilados cubanos e venezuelanos, cujos votos serão importantes para Donald Trump.
No capítulo “Venezuela libre”, do livro de memórias dos seus tempos de Casa Branca —”The Room Where It Happened” (A sala onde tudo acontecia)—, John Bolton, ex-assessor de segurança nacional de Trump, acusa seu antigo chefe de ter uma política em relação a nosso vizinho “descontroladamente errática”, ditada por sua agenda pessoal e obsessão pela reeleição.
Assim, o que o ministro das Relações Exteriores considera “parceria profícua e profunda” entre Brasil e Estados Unidos é pura vassalagem. Ela destrói a relação adulta que o país havia construído com a potência do Norte, em que cabiam autonomia na defesa dos interesses nacionais quando divergentes e cooperação em muitas áreas de interesse comum.
A Venezuela vive hoje sob uma ditadura que persegue, tortura e mata opositores, que destruiu a economia e produziu enorme catástrofe social, levando quase 18% da população a buscar refúgio nos países vizinhos. Com o populismo autoritário, a Venezuela é o foco de uma crise que transbordou suas fronteiras.
Da sua complexidade falam com competência Monica Hirst, Carlos Lujan, Carlos Romero e Juan Gabriel Tokatlian, autores do estudo “A Internacionalização da Crise da Venezuela”, recém-publicado pela Fundação Friederich-Ebert, da Alemanha.
Ali se vê como a polarização interna, as desacertadas políticas dos EUA, a participação da China e da Rússia em apoio ao governo de Maduro, bem como o “vazio político regional”, enfraqueceram qualquer solução pacífica e negociada.
O Brasil não é o único responsável pela falta de mecanismos regionais de negociação. Mas o fato de ter abandonado o pouco que havia e de ter colocado nebulosa ideologia acima da busca por uma agenda comum, por limitada que fosse, certamente contribuiu para a desarticulação presente.
Subserviente a Trump e de costas para a América do Sul, o Brasil tornou-se incapaz de dar uma contribuição positiva. A grandiloquência vazia dos discursos do governo sobre a parceria com os Estados Unidos seria cômica não estivesse contribuindo para uma tragédia.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap