É sobre ele que recai a responsabilidade de atender à maioria das vítimas do vírus
“Temos sido salvos pelas nossas instituições”, disse Joseph Stiglitz em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, no último domingo. O Prêmio Nobel de Economia se referia ao mesmo tempo aos Estados Unidos e ao Brasil, governados por presidentes populistas, incapazes e desinteressados em liderar os esforços nacionais de enfrentamento do coronavírus.
O americano destaca a importância, em seu país, do Centro de Controle de Doenças e dos médicos que lutam contra a pandemia. No Brasil sem presidente para o que de fato importa, é sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) que recai a responsabilidade de atender à imensa maioria das vítimas do vírus. Por essa razão, não será demais entender como logramos construir uma das maiores estruturas públicas de saúde do mundo.
O SUS nasceu do compromisso das forças que se opuseram à ditadura militar com o princípio de que a saúde deveria ser um direito garantido a todos os brasileiros, o que não acontecia até então. Uma rede nacional de médicos sanitaristas progressistas concebeu o sistema e ganhou os políticos democratas, que o inscreveram por inteiro na Constituição de 1988.
Para universalizar o acesso à saúde, o SUS promoveu a articulação e a divisão de responsabilidades e recursos entre os serviços de saúde dos três níveis da Federação. Antes, estes se ignoravam, eram redundantes e deixavam sem atendimento os brasileiros mais pobres.
Nos governos de Fernando Henrique Cardoso fincaram-se os marcos institucionais do sistema, incluindo a vinculação constitucional dos seus recursos –tão combatida pelos ultraliberais–, o que lhe permitiu sobreviver em tempos de escassez. Nos governos do Partido dos Trabalhadores, o sistema público de saúde ganhou musculatura, com novos programas, ampliação da oferta de serviços às populações mais vulneráveis, formação de recursos humanos e melhoria de gestão.
Os problemas do SUS sempre foram múltiplos e de difícil trato: a qualidade desigual do atendimento pelo país afora, filas, congestionamento em hospitais, falta de médicos, oferta limitada de tratamento para doenças mais graves: indícios de que os recursos quase sempre foram insuficientes para dar conta da gigantesca tarefa.
Mas não é para se enfeitar que o atual ministro da Saúde usa jaqueta com o monograma do SUS: 3/4 da população são atendidos pelo programa, e perto de 2/3 dos brasileiros em mais de 5.300 municípios são cobertos pelas equipes de Saúde da Família.
Será preciso lembrar disso quando, no pós-pandemia, tivermos que enfrentar a dura discussão sobre o que caberá ao setor público como tarefa e como recursos.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebra