Sociedade e instituições são diques contra populistas
Sob presidentes populistas, as democracias sempre correm risco. Mas elas podem morrer, como na Venezuela, Hungria e Filipinas, ou continuar vivas, como na Itália e Estados Unidos.
Os autocratas tratam de enfraquecer o sistema, atacando a imprensa independente, desqualificando os adversários e atiçando os seguidores com a linguagem chula que uns e outros tanto apreciam. Só que o desfecho da ofensiva depende de muito mais do que isso.
Aqui, como em toda parte onde populistas ascenderam ao poder, a sociedade organizada e, especialmente, as instituições políticas, funcionam como diques de contenção aos seus piores intentos. Assim têm se conduzido —para surpresa de céticos e cínicos— o Congresso, as instâncias superiores do Judiciário, setores do Ministério Público e as Defensorias.
Outra barreira robusta é a reação de governadores eleitos sob diferentes equações políticas, a demonstrar o papel do sistema federativo para limitar o raio de ação do governo nacional. Numa Federação, é pouco provável, se não impossível, o alinhamento automático dos estados a Brasília —mesmo quando são amplos os recursos de poder concentrados no Executivo federal.
Além de sua relativa autonomia, os governadores fazem seus cálculos políticos de olho naqueles que os escolheram e podem reelegê-los ou apoiá-los em voos mais ambiciosos. Do paulista Doria ao maranhense Dino, governadores têm voz própria, e alguns deles a usam de forma incisiva sempre que Bolsonaro ensaia alguma iniciativa mais desastrada e danosa ao pluralismo democrático e aos direitos dos cidadãos.
Mas nossa Federação não termina nos estados. Sua base é formada por 5.570 municípios, que têm em comum governos escolhidos pelo voto popular. Ele será exercido outra vez neste ano. As eleições locais têm pelo menos dois efeitos importantes sobre a política nacional. De um lado, tende a haver uma correlação entre os resultados obtidos nos municípios e a composição da Câmara Federal dois anos depois. Afinal, prefeitos e vereadores atuam como cabos eleitorais de candidatos à Casa.
De outro lado, embora falte à maioria dos municípios cacife para influir no jogo nacional, o resultado em algumas capitais é politicamente relevante. Faz diferença para a saúde da democracia no país que, por exemplo, São Paulo continue a abrigar manifestações artísticas que o governo federal tentou censurar. Ou que Porto Alegre possa seguir inovando no transporte coletivo. Ou ainda que, no futuro, sob um governo progressista, o Rio de Janeiro venha a ser um modelo de política civilizada de segurança pública.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.