Pressões sobre a mata, seus habitantes e sua biodiversidade vêm de muitos lados
“A Amazônia é o coração biológico do planeta Terra, e ele já não está mais batendo de forma saudável”, costuma comparar o cientista Carlos Nobre, voz influente no debate sobre o aquecimento global.
Identificar em detalhe as ameaças a esse formidável bioma e localizá-las na vastidão dos seus 8,2 milhões de km2 é o propósito do “Atlas Amazônia sob Pressão 2020”, recém-lançado pela Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georeferenciada (Raisg), consórcio que reúne organizações não governamentais de seis dos nove países que o abrigam.
São 23 mapas preciosos, acompanhados de textos que descrevem os riscos à integridade da floresta. As cartas permitem seguir as mudanças, em geral negativas, ali ocorridas entre 2012 e 2018, oferecendo um amplo panorama do desastre ambiental em curso e dos processos que o desencadeiam.
As pressões sobre a mata, seus habitantes e a biodiversidade nela abrigada vêm de muitos lados. Entre 2001 e 2009, queimadas acidentais ou, sobretudo, resultantes da expansão da agricultura e da pecuária cobriram um território equivalente ao da Bolívia –por sinal, o segundo maior responsável, depois do Brasil, por esse tipo de catástrofe.
Como se sabe, ou se deveria saber, a degradação da floresta começa pelo fogo, mas pode vir também com obras de infraestrutura, desfigurando a paisagem à margem de estradas ou no entorno de hidrelétricas.
A mineração legal e a extração de petróleo são dois outros fatores de pressão em quase todos os países amazônicos. Além de destruir a floresta, contaminam os rios e, por tabela, os peixes que alimentam os humanos. Pior ainda quando se trata de mineração ilegal. O atlas identificou nada menos de 4.472 locais de atividades extrativas ilícitas, muitas de escala média ou grande, localizadas principalmente no Brasil (58%) e na Venezuela (32%), não raro em áreas de preservação ambiental ou em territórios indígenas. Ilegais são também os plantios de coca nas matas devastadas da Colômbia e do Peru.
O atlas permite uma visão mais complexa dos problemas da Amazônia. Além disso, expõe os governos incapazes de se contrapor aos interesses privados predatórios –quando não coniventes com eles–, alheios ao destino das populações da região e medíocres demais para criar estímulos ao aproveitamento sustentável das riquezas imensuráveis da floresta tropical.
Fosse outro o governo brasileiro, este seria o momento de transformar o Tratado de Cooperação Amazônica de 1978 em instrumento de diplomacia efetiva capaz de promover um esforço compartilhado pela saúde do coração do planeta.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.