São inaceitáveis as idas e vindas na discussão dos recursos destinados à Fapesp
Há mais de duas décadas, o historiador José Murilo de Carvalho usou dados de pesquisas de opinião para refletir sobre o que os concidadãos se orgulhavam. No artigo “O motivo edênico no imaginário brasileiro”, concluiu que apenas a natureza grandiosa —os céus, mares, rios e florestas— gratificava a sociedade. Nada do que os humanos haviam legado ou estivessem construindo causava admiração: o povo era visto, antes, com ceticismo e desprezo.
Com efeito, há muito de negativo a apontar nessa obra perversa que, ao longo do tempo, produziu uma nação de iniquidades e injustiças; predação e violência; ignorância e superstição; notável insensibilidade (das elites) pela sorte alheia (a dos mais vulneráveis); de promiscuidade entre interesses privados e órgãos estatais; de apropriação patrimonialista de recursos e agências públicas.
Mas nem tudo é desastre. Na pandemia, o país descobriu a virtude de ter atendimento de saúde universalizado por meio do SUS, a importância de contar com o aconselhamento de cientistas bem formados e com um robusto sistema de produção de conhecimentos e suas aplicações.
É na Fundação Oswaldo Cruz e no Instituto Butantan que estão sendo desenvolvidas —em parceria com empresas e instituições acadêmicas internacionais— as vacinas que nos ajudarão a enfrentar em melhores condições a crise sanitária.
Essa capacidade não brota da noite para o dia. Requer, além de muito investimento, a segurança de que estará garantido por décadas e a gestão competente de sua utilização.
Como é feito pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo (Fapesp), instituição modelar que sustenta o sistema paulista de pesquisa, permitindo a formação de quadros para as universidades, as empresas e a administração pública; a geração de saberes em todas as áreas e a criação de startups inovadoras.
Todos os pesquisadores em atividade aqui residentes tiveram algum apoio da Fapesp —quando não foram por ela financiados durante toda a carreira profissional.
Eis por que são inaceitáveis as idas e vindas que marcaram a discussão dos recursos destinados à fundação, durante os meses em que estiveram em pauta, primeiro as medidas de ajuste fiscal, e agora o orçamento do próximo ano no estado. Mesmo que o governador, pressionado, tenha enfim se comprometido a repor os R$ 454,6 milhões subtraídos à entidade no PL 627/2020.
Em momento de aperto fiscal e futuro incerto, financiar ciência é prioritário. A ponto de definir se, mais adiante, os brasileiros poderão se orgulhar de algo além da natureza —vá lá o ufanismo— dadivosa.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.