Brasil e EUA poderiam coordenar de maneira mais eficaz a administração pública para prover saúde
Polarização política, descentralização federativa e desigualdades são condições prévias que permitem entender a dramática situação do país na pandemia. A constatação, que se aplica sem tirar nem pôr ao Brasil, é do cientista político Bruce Cain, da Universidade Stanford, ao falar dos Estados Unidos.
Mas as semelhanças vão além. Ali como aqui, eleições alçaram à Presidência políticos populistas que cultivam a mentira, desprezam a ciência, alimentam-se de conflitos e pouco se importam com a vida humana. Isso posto, o argumento do professor tem a virtude de chamar a atenção para um dado menos perceptível: mesmo se os dois países contassem com dirigentes responsáveis, circunstâncias anteriores restringiriam a capacidade de seus governos de combater a pandemia.
Os antagonismos políticos poderiam ser algo mais civilizados, não fossem Trump e Bolsonaro, a um tempo, suas criaturas, principais agentes e beneficiários. Ainda assim, os outros dois fatores apontados por Cain estariam presentes e de formas distintas continuariam dificultando a luta contra a Covid-19.
A federação, consequência quase inevitável da opção pela democracia em nações de porte continental, requer do governo central, além da aptidão para definir rumos, disposição e engenho político para negociar e coordenar a ação de estados com competências e atribuições próprias.
As desigualdades cumulativas de renda, condições de vida e acesso a serviços públicos básicos tornam virtualmente impossível a aplicação eficiente da principal medida em face da crise sanitária, na ausência de vacinas: o isolamento social. Por essa razão, nos países —entre eles Brasil e Estados Unidos— onde a pobreza é disseminada e as desigualdades, profundas, duas pandemias coexistem, com características e probabilidades distintas de levar à morte: a dos que podem se proteger em casa e a dos muitos para os quais isso é impossível.
Fossem outros os governos em Brasília e Washington, outro seria o debate, e bem maior o aprendizado sobre a forma mais eficaz de coordenar os diferentes níveis da administração pública para prover saúde; como melhor proteger os que não podem se isolar; como usar organizações públicas ou comunitárias para fazer chegar água, comida e regras de cuidado às moradias mais pobres ou para aqueles que vivem nas ruas. Tudo, em suma, o que está sendo feito de maneira improvisada e dispersa.
Para tanto, outro precisaria ser o governo, com ministros à altura do desafio e um presidente antes preocupado em criar consensos do que em dar cloroquina para as emas do Palácio.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.