Há correspondência entre a perversidade de Bolsonaro no trato da pandemia e do ambiente e a nossa política externa
Reunido em Genebra, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas ouviu nesta terça-feira (30) o relatório da alta comissária Michelle Bachelet sobre os efeitos da Covid-19 para a situação dos direitos humanos no mundo.
A ex-presidente do Chile censura de maneira forte e direta a atitude dos governos que, ao negarem o perigo de contágio pelo vírus e ao mesmo tempo apostarem na polarização política, pode agravar a severidade da pandemia. O seu relatório chama pelo nome os países que a preocupam: Belarus, Brasil, Burundi, Nicarágua, Tanzânia —e, naturalmente, Estados Unidos.
A crítica de Bachelet acrescenta outra demão de desgaste à corroída imagem internacional do Brasil. Agora é o descaso do governo em face da pandemia; nas duas semanas anteriores foi o seu descompromisso com a proteção ambiental. Vinte e nove fundos europeus de investimento e pensão, além de eurodeputados e importantes organizações do bloco empenhadas na defesa do meio ambiente, foram a público denunciar que a conivência de Brasília com o desmatamento criminoso da Amazônia põe em risco o aporte de capitais de risco ao país, nossas exportações de commodities e o futuro do acordo comercial Mercosul-União Europeia.
Todo país constrói sua imagem com boa diplomacia, mas a resposta alheia depende tanto ou mais da percepção do que ocorre dentro de suas fronteiras. A derrubada da hiperinflação e as reformas econômicas do governo Fernando Henrique, o esforço bem-sucedido de seu sucessor Lula para reduzir a pobreza e as desigualdades e o empenho de ambos em fortalecer as instituições democráticas deram lastro à nossa política externa no passado recente.
Os dois presidentes e seus hábeis chanceleres Luiz Felipe Lampreia, Celso Lafer e Celso Amorim lideraram a alta do prestígio do Brasil, uma democracia de massas empenhada em reduzir o atraso e as injustiças, aspirando a maior protagonismo nos foros multilaterais.
Não por acaso, saúde e ambiente foram áreas em que a diplomacia do soft power brasileiro se destacou, tanto na batalha pela quebra das patentes de medicamentos retrovirais quanto na Rio-92 e conferências seguintes do gênero, nas quais o regime internacional de mudanças climáticas foi ganhando vigor e legitimidade. Isso não teria sido possível sem consistentes políticas domésticas de combate à Aids e de proteção ambiental.
Hoje, continua havendo perfeita correspondência entre a perversidade de Bolsonaro no trato da pandemia e da devastação ambiental e a vergonhosa política externa de Ernesto Araújo. E assim fomos parar na lista de Bachelet.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.