Arthur Lira deve pensar que é um bom momento para passar a sua boiada
Na hora em que a morte é mais rápida que as vacinas, o presidente da Câmara e chefe do centrão, deputado Arthur Lira (PP-AL), decidiu trazer a reforma política de volta à agenda do Congresso.
Talvez imaginando que este seja um bom momento para passar a sua boiada, criou duas comissões destinadas a produzir uma pretensiosa revisão da legislação eleitoral e partidária, com mudanças na forma de escolha dos representantes, na propaganda e financiamento de campanhas e no papel da Justiça Eleitoral.
Assim reassume o seu lugar à mesa de debates o fim do sistema de voto proporcional de lista aberta, que distribui as cadeiras no Legislativo entre as legendas segundo a proporção de votos recebidos por elas, uma a uma, respeitada a preferência do eleitor pelos candidatos que compõem as listas partidárias. Em seu lugar, entraria o “distritão”, apelido dado ao sistema que os especialistas denominam, com uma ponta de pedantismo, “voto único não transferível”. Nele, as cadeiras nas Câmaras e Assembleias iriam para os mais votados, em seus distritos eleitorais, cujos limites, aqui, coincidiriam com os estados da Federação.
Forma raramente adotada de sistema majoritário, hoje, existe apenas na Jordânia, no Afeganistão e em paragens exóticas como Vanuatu e Ilhas Pitcairn. Seus efeitos mais notórios são limitar a representação das minorias e estimular os partidos a apostar em candidatos com grande potencial de votos: pastores, celebridades de TV e formadores de opinião nas redes sociais.
Além disso, o pacote representa um robusto retrocesso nas regras recém-aprovadas para reduzir o número de partidos representados no Legislativo. Pois propõe a revogação da cláusula de desempenho, pela qual cada legenda deve obter ao menos 2% dos votos em nove estados —ou eleger 11 candidatos—, e a volta das coligações nos pleitos para a Câmara e Assembleias Legislativas. Uma e outra coisa estimulam a multiplicação de legendas, fazendo do Brasil um caso extremo de fragmentação partidária.
Finalmente, muitas propostas intentam enfraquecer a Justiça Eleitoral, guardiã eficiente e indispensável da integridade do processo, sem a qual a democracia desaba.
Propostas de reforma política foram recorrentes no país. Por discutíveis que fossem, sempre miraram a melhoria da competição eleitoral e da capacidade de governar. A iniciativa do presidente da Câmara só pretende favorecer os interesses miúdos dos partidos idem que sustentam um governo de ainda mais baixa estatura. É a farra do centrão, que debilita a ordem democrática enquanto a Covid faz a sua parte.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap