Nada é definitivo, exceto a consciência da inevitabilidade da morte. “Tudo o que é sólido desmancha no ar”. Crenças, convicções, certezas, ideologias, dogmas podem ser abalados pela evolução natural das coisas, pelo avanço da civilização e do conhecimento. Só o fantasma da morte nos traz a noção exata da transitoriedade da vida e da fragilidade de tudo que julgamos inabalável. Diante da morte, abandonamos a superficialidade das aparências e mergulhamos na essência da existência humana.
Diante de nossas fragilidades reveladas, talvez o melhor refúgio seja no terreno da arte, que nasce da sensibilidade humana. Nosso grande poeta itabirano escreveu certa vez: “Por que nascemos para amar, se vamos morrer? Por que morrer, se amamos? Por que falta sentido ao sentido de viver, amar, morrer?”. Nos escritos de Guimarães está lá: “Viver é um negócio muito perigoso”, “A gente morre para provar que viveu”. Um grande amigo meu gosta sempre de lembrar Clarice Lispector: “e bem sei que cada dia, é um dia roubado da morte”.
Na semana passada lancei a pergunta: depois da tempestade, virá a bonança? E concluí que tudo vai depender do aprendizado que fizermos na crise. Perguntei: será que vamos repensar nosso estilo de vida? Vamos contrapor vidas a empregos ou entender que o trabalho é uma ferramenta para uma vida feliz? Teremos uma nova percepção da natureza humana única em escala global para além de fronteiras, governos e nações? Seremos mais solidários ou egoístas? Entenderemos que diante da ameaça da morte, as distâncias entre ricos e pobres, poderosos e cidadãos comuns, se encurtam? Afinal, até o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, luta para sobreviver numa UTI. Seremos menos arrogantes e mais humildes politicamente para construirmos o diálogo necessário e os consensos em torno da solução dos verdadeiros problemas que atingem a população? Finalmente, vamos valorizar na medida certa o sistema de saúde, seja o público ou o privado?
Mas outras lições são possíveis. Com o aprendizado da quarentena, as formas de trabalho poderão avançar, criando mais espaço para o “ócio criativo”. Pensaremos nisso? As famílias, para o bem ou para o mal, estão tendo uma convivência muito maior, se conhecendo melhor, resgatando hábitos arquivados pela insanidade de nosso ritmo frenético neste mundo tão carente de resignificação. Será que os pais ficarão menos no trabalho e na internet, e curtirão e brincarão mais com seus filhos?
A hibernação involuntária, ditada por um vírus, certamente determinará uma queda expressiva das mortes no trânsito e as resultantes da violência. Será que aprenderemos um pouco sobre gentileza e respeito nas ruas e nas estradas ou pensaremos duas vezes antes de usar uma arma de fogo? As maiores e mais poluídas cidades do mundo estão registrando queda na poluição urbana. Será que após a crise revalorizaremos a questão da sustentabilidade ambiental?
Será que jovens e idosos terão um convívio mais harmônico, para além do choque de gerações, em homenagem ao padre italiano, Giuseppe Berardelli, que morreu ao abrir mão de um respirador em favor de uma pessoa mais jovem?
Hoje sentimos como nos é essencial o universo lúdico das artes e do esporte. Como nos fazem falta os gols de domingo, as cestas da NBA, a Olimpíada adiada, a ida à ópera ou ao show de rock ou de MPB, o teatro ou a novela interrompida. Será que olharemos a partir de agora nossos geniais desportistas e artistas com mais gratidão, respeito e admiração? E a ciência? Ficamos torcendo para que sejam descobertos logo uma vacina ou um remédio contra o coronavírus. Valorizaremos mais, muito além da estúpida politização da questão da cloroquina, os investimentos em ciência e tecnologia?
Como disse Bertrand Russel: “O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, e as pessoas idiotas cheias de certezas”. O que virá depois? Só o aprendizado dirá.