Ela é a alma da sociedade, ‘existe porque a vida não basta’
A cultura de um povo é traço constitutivo da identidade de uma nação. É a alma da sociedade. Leonardo da Vinci disse certa vez: “A arte diz o indizível, exprime o inexprimível, traduz o intraduzível”.
A contínua necessidade humana de se expressar artística e culturalmente atravessou os tempos. Para Shakespeare, “a arte é o espelho e a crônica da sua época”. O poeta Ferreira Gullar arrematou: “A arte existe porque a vida não basta”.
A produção cultural e artística brasileira está em xeque, numa discussão distorcida pelo sectarismo e por um ambiente ideológico regressivo e radical.
O Brasil é um dos países mais ricos, culturalmente falando. Que outro país tem a nossa musicalidade? Noel Rosa, Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Heitor Villa-Lobos, Cartola, Milton Nascimento, Paulinho da Viola, Tom Jobim, Chico Buarque de Hollanda, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Egberto Gismonti, Luiz Gonzaga e tantos outros formam uma constelação invejável. Nas artes plásticas, temos Cândido Portinari, Emiliano Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, Alberto da Veiga Guignard, Carlos Bracher, Cildo Meireles, Adriana Varejão, Alfredo Volpi e tantos outros poetas das cores e dos pincéis. Nas telas, vamos de Glauber Rocha a Cacá Diegues, de Nelson Pereira dos Santos a Bruno Barreto, de Fernando Meireles a Walter Salles. Sem falar em nossa excepcional teledramaturgia. No balé, como não se emocionar com a trajetória do Grupo Corpo ou de Deborah Colker? Como seria a vida sem Fernanda Montenegro, Marília Pera, Bibi Ferreira, Paulo Gracindo, Paulo Autran? Como imaginar Minas e o Brasil sem o Inhotim, o Masp, o MAM, o Museu Imperial de Petrópolis, o Museu Mariano Procópio, o Museu de Artes e Ofícios? E eventos como o Festival de Cinema de Tiradentes ou a Flip em Parati? Sem falar em Machado de Assis, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade e tantos mestres da palavra. Será que queremos tocar fogo em nosso belo patrimônio cultural, assim como aconteceu com o Museu Nacional do Rio de Janeiro?
As leis de incentivo à cultura, Rouanet e Audiovisual à frente, estão sob artilharia pesada. Mudanças eram necessárias. Assisti ao Cirque du Soleil, nem por isso acho que a renúncia fiscal deveria financiá-lo. Acredito também que é preciso descentralizar os investimentos concentrados na região Sudeste. Artistas que têm alta performance em bilheteria não deveriam ser beneficiados. É justo que os projetos incentivados gerem contrapartidas sociais no importante trabalho de formação de público. Mas daí a crucificar nossos artistas e produtores culturais por preconceitos ideológicos vai uma grande distância.
A produção artística não tem apenas a dimensão cultural e de entretenimento. É também importante cadeia produtiva que gera empregos, renda, impostos e produtos de exportação. Estudo da Fundação Getúlio Vargas demonstrou que cada real investido pela Lei Rouanet – hoje demonizada – gerou R$ 1,59 para a economia brasileira. Os 53.368 projetos injetaram, em 27 anos, R$ 49 bilhões em nossa economia. São mais de 220 mil trabalhadores formais na criativa economia cultural.
Só no setor audiovisual (filmes, vídeos, games, séries) há 16 mil empresas, 300 mil empregos diretos e indiretos gerados e ele cresce 9,3% ao ano numa economia estagnada pela recessão.
Portanto, “devagar com o andor que o santo é de barro”. Não vamos, nessa maniqueísta e desqualificada luta entre “nós” e “eles”, destruir a rica, bela e densa cultura brasileira.
*Marcus Pestana é secretário geral do PSDB