O tema central da agenda brasileira de desenvolvimento é o grave desequilíbrio fiscal do setor público. Os monumentais déficits acumulados têm funcionado como verdadeira âncora a decretar o crescimento raquítico da economia brasileira nos últimos tempos. O desarranjo orçamentário dos governos tem repercussões múltiplas: na taxa de juros, na queda do investimento e da poupança, na confiança dos investidores, no aumento preocupante da dívida pública e, portanto, nos níveis de atividade econômica e do emprego.
Qualquer dona de casa ou trabalhador, mesmo sem dominar o árido terreno da teoria econômica, consegue compreender que o governo, assim como qualquer família, não pode gastar indefinidamente muito mais do que ganha, sob pena de chegar a uma situação de insolvência. A família que acumula anos de déficits no orçamento familiar vai se endividando nos carnês, nos bancos e agiotas. Até que a situação se agrava e a família começa a cortar gastos, tenta aumentar a renda familiar, até chegar ao nível de despesas essenciais incompressíveis. Não havendo outra saída começa a se desfazer do patrimônio familiar para pagar dívidas. E chega ao ponto em que não adianta vender a geladeira e o fogão para pagar a conta mensal do supermercado.
O governo também é assim, com uma única diferença, o poder central pode emitir moeda e se endividar até limites mais elásticos. Já os governos estaduais em crise vivem hoje sua hora da verdade. Experimentam déficits anuais gravíssimos e crescentes. E não podem mais se endividar. Diante de tamanho desequilíbrio abre-se a discussão sobre as privatizações de estatais para a obtenção de receitas em favor do ajuste fiscal.
As privatizações não envolvem apenas o objetivo de reequilibrar as contas públicas. Há também a visão de concentrar a ação do Estado no seu papel de coordenador, regulador e promotor de políticas públicas sociais, deixando para a iniciativa privada a gestão mais eficiente de atividades econômicas que podem e devem ser delegadas. Mas para que os frutos das privatizações sejam virtuosos e não caiam no caso da geladeira versus a conta mensal do supermercado, é necessário que os recursos apurados sejam canalizados para o ajuste patrimonial de longo prazo (abatimento de dívida financiada a juros altos, soluções de longo prazo para o sistema previdenciário, investimentos que aumentem o nível de atividade, etc.).
O cidadão consumidor de serviços públicos quando vai ao interruptor de luz ou a torneira não se pergunta se a energia elétrica ou o abastecimento de água são estatais ou privados. O que interessa à sociedade e ao cidadão é a segurança do abastecimento, a qualidade e tarifa justa. Como são serviços públicos e monopólio natural, podem perfeitamente serem entregues à iniciativa privada, desde que haja uma regulação correta e eficaz.
Há sempre na discussão das privatizações um manto ideológico e político que, muitas vezes, falseia o debate e ergue mitos e muros. Hoje o nível de investimento público é ridículo, prejudicando os objetivos centrais de uma educação pública de qualidade, de um sistema de saúde que responda melhor às angústias da população, de uma segurança mais eficaz ou de investimentos em saneamento e infraestrutura essenciais para o desenvolvimento.
Voltarei ao assunto na próxima semana discutindo casos concretos.