Canibalizada por novos setores, indústria baleeira deixou uma obra-prima
Os Estados Unidos já assistiram muitas vezes à morte de setores que se tornaram obsoletos pelo surgimento de novas tecnologias. Para sua sorte, ao menos até recentemente, a política americana foi pouco sensível às demandas protecionistas dos setores decadentes.
O primeiro grande exemplo talvez tenha sido a indústria baleeira no século 19, cuja história surpreende tanto pela sua relevância esquecida quanto pela combinação de cultura e tecnologia que permitiu o seu crescimento.
Desde o século 17, o óleo obtido com a queima da gordura de baleia começara a ser utilizado para iluminar as principais cidades. O centro dessa indústria foi a pequena ilha de Nantucket, no atual estado de Massachusetts.
A cultura protestante enfatizava a parcimônia e o reinvestimento na própria produção. No caso de Nantucket, predominantemente quaker, o resultado foi o fortalecimento do setor baleeiro mesmo durante a guerra com a Inglaterra em 1812.
A caça às baleias contava com a experiência dos índios locais, os wampanoags. A mão de obra, porém, era insuficiente, o que incentivou a contratação de imigrantes.
A descoberta do maior potencial energético das baleias cachalotes, que habitavam mares distantes, levou a introdução de técnicas que permitiram a queima da gordura em alto mar nos barcos de madeira, permitindo viagens que chegavam a durar três anos.
No século 19, porém, o uso crescente do petróleo e da energia elétrica levou ao abandono do óleo de baleia e à decadência de Nantucket. Fosse nos tempos atuais, talvez estivéssemos assistindo à mobilização de lobbies contrários às novas tecnologias para preservar os baleeiros.
A concorrência induz o desenvolvimento de técnicas mais eficientes de produção, o que permite o aumento da renda e foi fundamental para a melhoria da qualidade de vida nos últimos 200 anos.
A tentativa de proteger setores obsoletos, por mais bem-intencionada que seja, termina por prejudicar o restante da sociedade. O exemplo de Nantucket ilustra a história dos EUA, inclusive na aceitação da decadência da indústria baleeira, canibalizada por novos setores.
A indústria esquecida deixou uma obra-prima, Moby Dick, de Herman Melville, recheada de personagens notáveis e conturbadas, em meio a passagens surpreendentes.
No capítulo três, Ishmael fica assustado ao saber que dividiria a cama com um jovem canibal na hospedaria lotada.
Após parágrafos angustiados, a sua empatia recheada de bom senso leva-o a concluir: “Que confusão é essa que estou fazendo… ele tem a mesma razão para me temer que tenho para ter medo dele. Melhor dormir com um canibal sóbrio do que com um cristão bêbado”.
Marcos Lisboa
* Marcos Lisboa é presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.