Urge uma candidatura democrática capaz de promover uma união que abra as portas do futuro
Basta passar os olhos pelos debates e entrevistas eleitorais para constatar: os candidatos são o que são. Nenhum deles exibe poderio político extraordinário, nem particular força de persuasão. Cada um tem seu gueto, seu estilo, suas convicções, seu séquito. Mas nenhum ainda conseguiu sair de si, ultrapassar os muros de proteção, chegar aonde o povo está. Uns acreditam que conseguirão isso com a televisão, outros com as redes. Ninguém sabe quão potentes serão esses meios.
O tempo é de choques e atritos. Não há por que fugir dele à espera de um candidato ideal ou de uma candidatura que reúna os “melhores”. Isso não acontecerá, e talvez seja até bom que não aconteça. Democracia é pluralidade, divergência, confronto de opiniões, manifestação de preferências. É uma oportunidade para a sociedade olhar-se no espelho, mostrar sua cara, conhecer suas falhas, imperfeições e possibilidades. Numa época de partidos e verdades em crise, pregar a ordem unida é caminhar às cegas, sem poder de convencimento.
Os candidatos lutam pela própria afirmação, atropelam-se uns aos outros. É da lógica eleitoral. O sangue que deles escorre pode adubar candidaturas indesejáveis ou beneficiar quem menos se espera. São efeitos colaterais não previstos, riscos, preço da democracia.
A sabedoria está em minimizar os efeitos, evitar que os choques se traduzam em agressão e ruptura. Mentiras escabrosas e campanhas negativas de desconstrução são tóxicas, envenenam a democracia. Não se trata somente de cordialidade, mas de bater sem deixar marcas e sem poupar o adversário principal, facilitando-lhe a vida.
O campo da democracia no Brasil vive hoje um dilema: é possível trabalhar para que se tenha uma mudança que mexa nas estruturas, nos sistemas em geral, nas instituições, nos hábitos políticos, que produza mais vida civilizada? De que modo: mediante ataques frontais e explosões de indignação, ou por negociações longas, transações difíceis, de modo incremental? Alianças à direita ou com a “velha política” impedem a mudança necessária ou precisam ser toleradas? O que fazer com o “Centrão” e com as bancadas setoriais, que burlam os partidos e chantageiam o Executivo?
Mudar tornou-se um imperativo. Virá mais cedo ou mais tarde, já está vindo sem que percebamos bem, cegos que estamos por disputas e polarizações paralisantes. Não devemos exagerar no argumento. O Brasil não é um doente terminal, não vai acabar nem descarrilar depois das eleições, seja quem for o próximo presidente. Não há por que ficar parado perante um inimigo da democracia, nem temer os populistas de plantão. Não haverá salvadores da pátria e todos terão de cooperar entre si, fazer alianças, negociar, assimilar a velha política, pedir ajuda ao mercado e à população. Errarão e acertarão, uns mais, outros menos. Perigos e ameaças virão mais de uns do que de outros. Mas a roda continuará a girar.
A exigência de cooperação tem uma implicação positiva: faz todos terem de reduzir o topete, moderar as fantasias, aprender a respeitar os limites, arregimentar as forças que garantam algum sucesso. Impõe a articulação e a mediação.
Os candidatos, porém, precisam colaborar. Não se podem comportar prometendo mundos e fundos, criando falsas expectativas e esperanças vãs, falando mais para ferir os adversários do que para esclarecer a população. Sua função é apresentar planos, metas, ideias, revelar o fundo do poço e os meios para dele sair, não varrer para baixo do tapete a sujeira acumulada, fingindo que nada têm que ver com ela. Não podem transferir para as oligarquias ou para os “golpistas” responsabilidades que precisam ser contabilizadas coletivamente.
Repetir slogans e chavões, incorporar o espírito de terceiros para iludir o povo, jurar ataques frontais aos bancos, à propriedade privada e à política tradicional podem impressionar os incautos, mas não ajudam a que o País encontre uma rota.
São políticos antipolíticos. Recusam a política realmente existente como se ela fosse o único entrave e pudesse ser eliminada por decreto. Políticos que não falam de alianças e negociações, a não ser para demonizá-las ou justificá-las envergonhadamente. Que não se dedicam a falar do “como”, das concessões inevitáveis, dos sacrifícios que precisarão pedir ao povo. Derramam-se em elogios ao “novo” sem se darem ao trabalho de qualificá-lo. Suas propostas são genéricas, não descem a detalhes essenciais, não convencem. São fogos de artifício, lançados para desviar a atenção, disfarçar um buraco negro que não se deseja enxergar.
Jogam para a plateia. Obedecem a roteiros traçados por assessores e marqueteiros, capricham na performance, com gestos calculados para alcançar o máximo de efeito e atrapalhar os adversários. Também é parte do jogo, não dá para pedir que não ajam assim. São ritos eleitorais.
Mas as circunstâncias estão a clamar por algo mais, roteiros melhores, propostas claras e detalhadas. Não para que se conquistem votos, mas para ajudar a sociedade a se autocompreender, a se mobilizar, a se preparar para sacrifícios e dificuldades. Está certo, é somente uma eleição a mais, o mundo não acabará no dia seguinte, o País tem reservas para queimar. Mas, e para além das generalidades sobre o gigante adormecido? Quem irá desarmar a bomba da polarização?
Candidatos presidenciais estão se oferecendo para gerenciar a roda da História, interferir na nossa vida, direcionar uma sociedade às voltas com seus piores demônios. Não deveriam jamais prometer o que deles não depende ou falar como se não houvesse amanhã.
É hora de pavimentar o caminho. O tempo ruge. O País não acabará, mas será trágico se no final de outubro não houver uma candidatura democrática com força política e sensibilidade para promover uma união que reduza riscos e abra as portas do futuro.