O elogio do endurecimento político, da ditadura e do passado autoritário serve para que Eduardo Bolsonaro agrida a Constituição e ataque a esquerda, sem definir do que está falando
Dado o histórico dos expoentes do bolsonarismo, não chegam a surpreender as declarações do deputado Eduardo Bolsonaro divulgadas na manhã desta quinta-feira, dia 31. Mas elas são espantosas e estão causando profundo mal-estar e ruído na política nacional.
Até semanas atrás, o deputado era candidato a representar o Estado brasileiro em Washington. Posava de estadista, de alguém talhado para se movimentar no xadrez internacional, atividade que, para ele e para seu pai, não requer maior preparo ou experiência. De modo recorrente, ele exibe despreparo e falta de temperança, distanciando-se ostensivamente da figura de estadista, que ele traduz de forma invertida: em vez de falar pelo Estado, porta-se como alto-falante de um nicho ideológico fanatizado e cego para a complexidade do mundo.
Ao dizer que tem informações de que as manifestações no Chile estão vinculadas ao “Foro de São Paulo” e podem ter sido financiadas por dinheiro desviado do BNDES, o deputado se intromete indevidamente nos negócios chilenos, além de acender uma fogueira dentro do Brasil. Esbofeteia parte expressiva dos cidadãos brasileiros.
“Estarrecedoras”, “repugnantes” e “irresponsáveis” foram os adjetivos mais suaves empregados pelas inúmeras pessoas (militares, parlamentares, juristas, sociedade civil) que repudiaram as declarações do deputado. O pai presidente disse que o filho estava “sonhando” e lamentou que tenha falado o que falou. Pouquíssimos o defenderam. Muitos pediram sua cassação.
Eduardo nem sequer se preocupou com a Constituição e a verdade dos fatos. Dispara sua verborragia com enorme desfaçatez. Para ele, havendo manifestações de rua como as que estão a sacudir o Chile, o tratamento terá de ser policial, duro, violento. “Se a esquerda radicalizar a esse ponto, vamos precisar dar uma resposta. E essa resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada via plebiscito, como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada”, afirmou.
O deputado talvez não saiba, mas a “resposta italiana” a que se refere ocorreu durante o fascismo, em 1929, quando as eleições foram substituídas por plebiscitos, nos quais o povo dizia sim ou não a uma lista de candidatos escolhida pelo Grande Conselho Fascista.
Quanto ao AI-5, ele com certeza está bem informado, pois as medidas de exceção, o autoritarismo e o desrespeito às garantias constitucionais são objetos de desejo do bolsonarismo. Editado em dezembro de 1968, o Ato Institucional nº 5 revogou direitos fundamentais e delegou ao presidente da República o poder de cassar mandatos de parlamentares, intervir nos municípios e Estados. O Ato suspendeu princípios importantes, como o habeas corpus, e restringiu dramaticamente as liberdades. A partir dele, a violência, a censura, o arbítrio e a repressão aumentaram.
A apologia do endurecimento político, o elogio à ditadura e ao passado autoritário, serviu para que o deputado atacasse, com veemência e desprezo, a esquerda: “A gente, em algum momento, tem que encarar de frente isso daí. Vai chegar um momento em que a situação será igual ao final dos anos 1960 no Brasil, quando sequestravam aeronaves, quando executavam, sequestravam grandes autoridade como cônsules, embaixadores, execução de policiais, de militares”, disse. “É uma guerra assimétrica, não uma guerra onde você está vendo seu inimigo do outro lado e você tem que aniquilá-lo, como acontece nas guerras militares. É um inimigo interno, de difícil identificação aqui dentro do País. Espero que não chegue a esse ponto, mas a gente tem que estar atento.”
De uma só tacada, Eduardo Bolsonaro provocou, agrediu e exibiu ignorância. Falou de “esquerda”, “radicalização”, “inimigos internos” e “guerra assimétrica” sem se preocupar em definir do que está precisamente falando. E sem se importar em pagar de autoritário, de adversário da Constituição e da democracia.
É a cara de um Brasil mitificado e perverso, que o bolsonarismo insiste em recuperar. Um Brasil que não é dos brasileiros, mas de um segmento assentado no ódio, na violência, na mesquinharia. E que, ciente de seu isolamento, esbraveja e esperneia, jogando no lixo a racionalidade, o equilíbrio, a serenidade.