Marco Aurélio Nogueira: Impeachment é um risco, mas pode trazer ganhos para o debate democrático

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Ao menos uma frase merece ser destacada da entrevista concedida ontem à noite pelo presidente nacional do PT, Rui Falcão. Ao se referir aos efeitos que se pode imaginar como derivando da aceitação da abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma, ele disse: “Abrimos um novo caminho para estabelecer uma nova governabilidade no país.”

Foi uma frase precisa, acertada. A partir de agora, Dilma, o PT e o País podem respirar aliviados, livres da chantagem a que foram submetidos pelo deputado Eduardo Cunha. Agora é guerra aberta, de posição, não mais somente de guerrilha e movimento. Chegou o momento de mostrar quem tem razão e quem pode mais. Que vença o melhor, o mais forte, o que está ao lado da justiça e da democracia. Que o governo volte a governar.

Com a abertura do processo de impeachment, acabou o braço de ferro entre Dilma e Cunha, que entre outras coisas paralisava o sistema e constrangia a militância petista.

Ganha com isso o PT, que poderá buscar sua unidade em torno da defesa do mandato presidencial. Ganham também as oposições, que serão obrigadas a demonstrar que sua narrativa de estelionato eleitoral e corrupção tem um fundo de verdade tão forte e evidente a ponto de sensibilizar a população e a maioria absoluta da Câmara dos Deputados.

É um ganho para o debate democrático. Saberemos todos aproveitá-lo? Teremos condições de requalificar o modo como vem sendo debatidos os grande temas nacionais? Conseguiremos escapar da polarização estúpida que faz a nação sangrar?

Importa não menosprezar a distribuição dos votos na Câmara. As oposições não têm a maioria. Terão de se desdobrar e gastar saliva e tutano, já que não têm canetas para distribuir prêmios e incentivos. Precisarão ser persuasivas e convencer deputados, senadores e formadores de opinião que o impeachment faz sentido, não é uma peça sem embasamento jurídico. Não será fácil. Terão de converter uma vontade e um desejo em argumento jurídico-político, mostrando que possuem mais do que uma acusação genérica de desgoverno e provando que Dilma cometeu atos que a comprometem em termos de irresponsabilidade e corrupção.

Se forem competentes, íntegros e souberem pautar o debate, os oposicionistas poderão nocautear Dilma. Se não forem, terão de enfiar a viola no saco e mudar a partitura.
Os governistas, de seu lado, precisarão provar que está em marcha um “golpe branco”, uma ameaça à democracia, uma manobra das oposições para tumultuar o ambiente e conseguir uma revanche que alivia a dor da derrota de 2014. Terão de explicar que o “processo espúrio” desencadeado pelo desejo de vingança e retaliação de Eduardo Cunha pode sim ter “lastro jurídico”, endossado que está por figuras como Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr. Não será suficiente espernear contra a “mídia golpista”. Nem converter Eduardo Cunha no algoz amoral e pérfido da presidente. Há muito mais coisas a serem consideradas. Uma delas: o impeachment tem base legal? Bater em Cunha agora é gastar vela com o defunto errado.

É verdade que Dilma não cometeu crimes, nem tem um prontuário que a criminalize. Mas será preciso blindá-la com outros argumentos, para o quê um pouco de autocrítica ajudaria bastante. Ou será que o governo não errou, não fez escolhas erradas, e tudo não passa de artimanhas da oposição ressentida? A perda de prestígio de Dilma caminha junto com os fracassos de seu governo e não serve em nada para bloquear o impedimento, muito ao contrário. Há um clima de esgotamento no ar: do modelo de desenvolvimento, de um padrão de coalizão, de um sistema político, do próprio PT, que se entregou demais ao governo e agora precisa se esforçar para defendê-lo sem se deixar por ele comprometer. Se não ilícitos que a maculem hoje, não há porque descartar que eles apareçam amanhã. Impossível tratar uma questão política com recursos de fundo jurídico ou moral. A política é dinâmica e tende a se diferenciar daquilo que é certo ou errado.

A Câmara é hoje uma terra de ninguém: um universo em disputa, no qual oposição e situação são somente parte. Há um “centrão” flutuando por ali, derivado da problematização da base aliada. Ele é tido como mais fiel a Eduardo Cunha do que ao governo. Será alvo de intensa disputa e tenderá a funcionar como fator decisivo, o que pode fazer seu “preço” subir às alturas.

A crise econômica, o prosseguimento da Lava-Jato, com seus desdobramentos imprevisíveis, a crise dos partidos, a falência do sistema político e o barulho das ruas são intervenientes complicadores e difíceis de serem controlados. Como cada um deles se manifestará é algo em aberto. Se a crise passar a ser mais sentida pela população e se houver combustível suficiente nas oposições, por exemplo, uma mobilização social poderá acontecer, com força para alterar a qualidade e o ritmo do processo. O destino de Eduardo Cunha também poderá alterar a correlação de forças e a dinâmica política. Se for cassado, fará com que suas impressões digitais comprometam ainda mais a credibilidade à autorização do impeachment. Por outro lado, o “centrão” ficará sem ter quem o coordene.
O impeachment por enquanto é uma hipótese remota. Poderá ou não encorpar. No curto prazo, produzirá estragos num governo que já vai muito mal e turbulência no País. No médio e no longo, tudo vai depender do que fizerem os protagonistas, dos acertos e erros que cometerem.

Na hipótese de o impedimento progredir, o mundo não acabará. É frágil a ideia de que o processo redundará necessariamente na entrega do governo para a direita, pois há um bom espaço de manobra para que se forje uma solução negociada que preserve e valorize as regras do jogo democrático, os direitos e as conquistas sociais dos últimos anos. Uma “pauta conservadora” não está automaticamente vinculada ao impeachment, até porque os atores que construirão o que virá depois ainda não estão claros nem definidos. Ao contrário, estão em plena gestação.

Fonte: Assessoria do PPS

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